Finge Que (NÃO) Quer

*insere violino tocando de fundo*

[ALERTA DE GATILHO: MENÇÕES E DESCRIÇÃO DE TENTATIVA DE SUICÍDIO!!!!]

     A brisa de início da noite arrepiou todos os seus pelinhos. Encolheu-se mais sobre o casaco de uniforme surrado e apertou o passo.

     Por algum motivo, mesmo que aquela fosse uma região considerada nobre, a iluminação era terrível. Sob os feixes amarelados, mal enxergava o caminho até o ponto de ônibus.

— Ei, Mu Qing!

     Gelou no lugar. Abraçou a si mesmo, fincando as unhas em sua cintura até doer.

— Xie Lian.

     Sua voz saiu tão pequena quanto soou aos seus ouvidos?

— Olha p'ra mim quando eu falo com você!

     Muito, muito devagar, girou no próprio eixo. A brisa soprou e arrancou-lhe o capuz, libertando mechas escuras como a noite. Seus olhos marejaram.

     A expressão do menor era de puro desgosto, bochechas meio gordinhas da infância ainda presentes e infladas de ar. Mu Qing acharia adorável caso o desgosto não fosse direcionado a si.

— Feliz? — perguntou, cansado.

— Por que você fica com essa cara de quem 'tá sofrendo quando a vítima sou eu?

     Seu peito apertou. Fincou as unhas com mais força.

— Eu já disse: eu não ia tentar te beijar, Xie Lian.

— Ah, então o que todas as indiretas e brigas com o Feng Xin nos últimos anos significam!? — riu com escárnio, negando com a cabeça — Vocês gostam de mim há anos e brigam por isso há anos. Como eu posso confiar que você não ia tentar me beijar, também?

     Quase rasgou a cintura de seu agasalho e camiseta com as unhas.

— ... Você sempre falava que acreditava em mim. Que sabia que eu não minto nunca. Onde foi parar essa convicção toda?

— Ela morreu quando eu soube que você gosta de mim.

    Um, dois carros passaram na pista ao lado. Lágrimas quentes escorreram.

— Você me acha nojento.

— E egoísta, também. — riu-se — Não tenho mais um pingo de vontade de olhar p'ra sua cara, escutar a sua voz ... você é desagradável, sabe? Um estorvo. Eu cansei.

     Soluçou.

     Buzina de ônibus ao fundo.

     Assentiu.

     Suspirou.

— Pode deixar, Xie Lian.

     Mu Qing tombou o corpo pro lado quando o som do motor e a luz dos faróis aumentaram. Mu Qing sorria e chorava.

     Xie Lian pareceu satisfeito.

     Um berro rasgou a garganta de Mu Qing ao acordar. O mundo girava, embaçado, e engasgou com o próprio choro.

     Mãos grandes arrancaram-lhe o lençol e braços quentinhos lhe envolveram.

— Shh. Sou eu, Bebê. — beijou seu cabelo, a voz mansa — Passou. Foi um pesadelo. Acabou.

     Engasgou e chiou, trêmulo.

— A- A-Xin-

— Sou eu. — puxou-o mais para perto, e o platinado escondeu seu rosto no peito alheio — Eu to aqui. Respira comigo: um, dois, três, quatro, inspira; um, dois ...