Durante seus 25 anos de vida, não houve um único dia em que o Arthur não sofreu algum tipo de preconceito, seja por olhares maldosos, piadinhas sem graça, comentários à meia voz ou a simples repulsa, como se ele tivesse uma doença contagiosa ou fosse um monstro perigoso. Apesar de sua expressão sempre serena, eu podia sentir que isso machucava o coração do meu maninho, mas nada se compara ao que vou contar agora.
Era uma manhã como qualquer outra e fomos para nossos empregos, que ficavam a poucas quadras de distância um do outro, mas por algum motivo, meu coração estava inquieto, como se soubesse o que estava para acontecer.
Fazia apenas duas horas que o expediente havia começado, mas o movimento já estava intenso. De repente, um trio de adolescentes entrou rindo demais para o meu gosto, até que um deles cumprimentou um conhecido que estava na fila do caixa ao lado e disse todo orgulhoso:
– Cara, a gente acabou de dar a maior surra naquele palhaço da loja de discos. Ele é tão otário, que nem se defendeu. Foi divertido demais!
– E ele ainda está vivo depois dessa?
– Sei lá, mas quem se importa? Ficou jogado em um beco aqui perto.
Ao ouvir isso, não sabia se ficava desesperada ou enojada com o cinismo daquele moleque. Senti uma pontada forte no peito e quase desmaiei, o que chamou a atenção do cliente que eu estava atendendo, mas não tive voz para explicar o que estava acontecendo.
Sem pensar em mais nada, saí de trás do caixa e pedi para o pessoal segurar aqueles safados por lá. Ninguém entendeu nada, mas perceberam que o caso era sério.
Desesperada, eu corria pelas ruas, sem me importar com quem ou o que havia pela frente, até que cheguei ao beco em que os patifes o largaram. O coitadinho estava jogado no chão, como se fosse um saco de lixo e confesso que ao vê-lo assim, temi que tivesse acontecido o pior. Para minha sorte, apareceu um guarda e quase sem fôlego pela corrida até ali e o susto por encontrar meu maninho naquela situação, ainda consegui contar o ocorrido, dizendo que os agressores estavam no mercadinho.
Sem demora, o guarda foi atrás deles e com o sangue gelado de medo, fui socorrer meu pobre irmão. Rezando para que tudo estivesse bem, eu me ajoelhei ao seu lado, amparei sua cabeça em meu colo e fiquei aliviada ao perceber que só estava desmaiado.
Com carinho, eu o abracei e beijei na testa, implorando que acordasse. Para minha alegria, ele abriu os olhos, que começaram a jorrar lágrimas. Por causa da maquiagem de palhaço, o sorriso era inevitável, o que tornou a cena ainda mais dolorosa. Já estava acostumada a confortá-lo em momentos dolorosos, mas dessa vez, acabei chorando junto...
Não conseguia entender como alguém seria tão baixo, imundo e pobre de espírito para machucar um inocente como o Arthur. E ainda achar que isso era divertido! Por que o mundo é tão cruel com quem é diferente?
Aquela não era uma boa hora para buscar respostas impossíveis. Eu precisava tirar meu maninho dali. Depois de me recompor, o ajudei a se levantar e saímos daquele lugar imundo. Nesse exato momento, aquele guarda apareceu levando os agressores e foi logo perguntando:
– Moça, foram esses três que agrediram seu irmão?
Antes que eu pudesse responder, o Arthur confirmou tudo, dizendo que eles o perseguiram até aquele beco e o espancaram sem piedade. Ele havia se fingido de morto para que o deixassem em paz. O guarda chamou reforços e pediu que nós o acompanhássemos até a delegacia para prestar depoimento e embora eu quisesse levar meu maninho para casa, tive que aceitar, pois não queria que aqueles vagabundos ficassem sem punição.
Como eu sabia que aquilo iria demorar, tive que ligar para meu patrão, avisando o que havia acontecido e muito compreensivo, ele me liberou pelo resto do dia. Depois que tudo foi resolvido, finalmente pude voltar para casa, onde cuidei de meu irmãozinho.
Ele tinha vários hematomas pelo corpo e alguns arranhões no rosto. Tive vontade de chorar outra vez, mas precisava ser forte para encorajá-lo. Dei um analgésico a ele e o deixei bem confortável em sua cama, pois tudo que ele precisava naquele momento era descansar. Antes de sair do quarto, ainda o beijei com carinho e ele me disse serenamente:
– Lizzie, eu te amo tanto.... Você sempre cuidou de mim.
– E vou continuar cuidando, meu amor, pois você é o meu maior tesouro. Agora, trate de descansar, tudo bem?
O resto do dia foi bem tranquilo. Tive que cuidar dos afazeres da casa, mas volta e meia ia até o quarto para ver como ele estava. À noite, ele me pediu para lhe fazer companhia até adormecer. Ficamos conversando e em certo momento, falei bem seriamente:
– Arthur, durante os 5 anos em que esteve naquele emprego, você foi ridicularizado, humilhado e mal pago, mas hoje, as coisas passaram dos limites. Eu te amo demais e não posso aceitar que continue nessa situação. Precisa pedir demissão amanhã mesmo.
– Eu sei... Mas como vamos nos virar só com o seu salário?
– Nós vamos dar um jeito. O que você deve fazer agora é investir na sua carreira de comediante. Sempre foi seu sonho.
Os olhos dele brilharam ao ouvir isso. Passamos um bom tempo fazendo planos, até que o cansaço nos venceu e como eu estava deitada junto com ele, acabei adormecendo ali mesmo.
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POR TRÁS DE UM SORRISO
Fiksi PenggemarA pequena Elizabeth vê sua vida se transformar para sempre quando seu irmãozinho Arthur vem ao mundo. Ao contrário de sua mãe, a menina o ama desde o primeiro momento e não demora muito para que ela se torne responsável pelo menino. Tudo fica ainda...