•ventisiete•

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AVISO DE GATILHO!!!


As gotículas de água da chuva pingavam no chão e consequentemente molhavam o meu coturno preto. Eu estava sentada em um banco que dava a vista de fora do local, carros passavam em alta velocidade e espirravam água na calçada.

Eu recolhi minhas pernas para apertá-las com meus braços, meu olhar não expressava um sentimento sequer, eu apenas observava tudo ao redor mas não prestava atenção em nada daquilo. Uma mão suavemente tocou meu ombro e me fez sair do transe, eu apenas olhei para atrás e vi minha mãe com os olhos inchados.

— Vamos, Liz – ela fungou – Está na hora de dizer adeus.

Eu a acompanhei até o local que o corpo da minha vó estava sendo velado. O local tinha cheiro de incenso de dama-da-noite, uma flor que apenas se abre a noite, mas o cheiro dela é esplêndido. Se minha vó fosse uma flor, ela com certeza seria essa.

Todos apenas acendiam alguns incensos e deixavam ao lado de uma foto da minha vó, ela estava tão sorridente e linda, ela era o sol da minha vida.

— Sua vez, Liz – minha mãe ordenou e eu fui.

A chuva estava cada vez mais forte, as gotas caiam com força no teto e no vidro do carro. Eu tinha minha cabeça apoiada nos joelhos e apenas observava a vista do outro lado. Meus pais falavam sobre algumas coisas, mas eu simplesmente não sabia do que se tratava, minha cabeça estava silenciosa pela primeira vez.

Quando o carro estacionou na garagem, meu corpo abriu a porta do carro no modo automático e entrou para dentro de casa, sem se importar com o que eles falavam para mim, eu só queria minha cama.

— Liz, você quer comer alguma coisa? – minha mãe gritou do andar de baixo.

— Não – eu respondi direta.

Tirei meus sapatos, me joguei na cama e agarrei meus joelhos. Meu celular vibrava na estante ao lado da minha cama, provavelmente mensagens das meninas e do Miguel, mas eu apenas ignorei, precisava de um tempo.

Quando a ficha finalmente caiu, eu chorei. Chorei tudo que estava preso, todas as lágrimas que eu não derramei no velório eu derramei na minha cama. Eu soluçava forte e chorava alto, não aceitava o que tinha acabado de acontecer. Tudo aquilo sobre o luto não adiantou de nada, eu ainda vou continuar sofrendo todos os dias. Ela não vai voltar mais, eu nunca mais vou ver minha vó sorrindo ou brincando comigo, eu nunca mais vou provar a comida dela, eu nunca mais vou dividir pêssegos com ela, eu nunca mais vou poder chamá-la de "vovó bisa". Eu nunca mais vou poder dizer "eu te amo" para ela.

★ Miguel Pov's

A chuva não iria atrapalhar meu treino, mas o silêncio da Liz sim. A todo momento eu parava de correr para ver se ela havia respondido alguma das minhas quinze mensagens, mas nada, já estava ficando preocupado. A perda da vó dela seria uma dor muito profunda para ela, eu sei porque a Liz sempre me contou como amava a mais velha.

— Parou por que? – Brady parou ao meu lado vendo que eu parei de correr.

— A Liz não me responde – eu guardei meu celular no bolso – A vó dela faleceu e ela era muito apegada à ela.

— Ela deve estar com a família dela – Brady colocou uma mão em meu ombro – Ou ela só precisa de um tempo para processar o que aconteceu. Uma hora ela te responde.

— Acho que eu vou na casa dela – olhei para o loiro que deu de ombros – Posso?

— Fica a vontade, irmão. O problema é que ela pode não querer te atender – Brady deu dois tapinhas no meu ombro e voltou a treinar.

BOUND. || Miguel Cazarez Mora Onde histórias criam vida. Descubra agora