A Canoa

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Quase tão natural quanto os pelicanos que voavam no céu nublado, via-se de longe a canoa flutuando sobre a água. Eu caminhava na praia quando ela veio lentamente na minha direção, como um repentino convite.

Arrastei o barco até a areia e analisei sua estrutura: era feita de tábuas e partes de madeira, havia dois remos entre os assentos e um motor de popa, a cor era um cinza escuro — o que o fazia parecer mais velho.

Sem saber qual atitude tomar, deixei ele preso em uma pedra e fui embora. Alguém iria levá-lo consigo quando encontrasse, mas os dias vieram e o barco continuava onde deixei. Estranho, eu sei, pois uma canoa é útil aqui onde moro.

Foi no começo daquela manhã, após despertar de um pesadelo onde uma coruja tentava entrar na minha casa, que tomei a infeliz decisão de usá-lo para pescar. Preparei o equipamento e fui de encontro ao barco que me aguardava na mesma posição. Acho que essa foi minha vontade desde o início, considerando o prazer que senti ao subir na canoa e depositar o equipamento no assento.

Eu sabia de um ponto perfeito onde pescava quando criança com meu pai e não era muito distante. Remei o suficiente para me distanciar da terra e quando já estava longe o suficiente para que a correnteza não me levasse de volta, testei o motor.

Sou um homem sério, mas quase pulei de alegria quando ele funcionou, pois poderia me locomover com mais agilidade. Porém, com cuidado porque não sabia se o motor aguentaria por muito tempo. De qualquer forma, o local onde iria não era tão distante e poderia voltar remando.

A pesca foi boa e ficaria com comida por um bom tempo. Guardei o equipamento e liguei o motor pronto e satisfeito para voltar quando aconteceu algo estranho: ele não me obedecia. Por mais que dirigisse para uma direção, ele seguia outra! No começo o desespero tomou conta de mim e quebrei o motor, vi o mesmo afundar no mar com os meus próprios olhos.

Percebi que não tinha o controle da situação quando, mesmo sem o motor, a canoa continuava na mesma velocidade, como se um íman a puxasse. O barco tomou vida e o que me restou foi esperar enquanto ele seguia algum percurso desconhecido por mim.

Suponho que acordei de madrugada. Nunca fui bom em geografia, no entanto era o que a posição da lua me indicava. Já fazia horas sem comer, beber ou fazer minhas necessidades, apesar disso eu não sentia tais vontades. Mesmo dentro de um nevoeiro, não sentia frio.

O dia que decorreu a este foi insólito. Logo no amanhecer, segurei firme o remo e fiz um esforço enorme para sair do mesmo lugar. Eu nem percebi quando a canoa parou (talvez estivesse dormindo), mas sempre que me afastava, a canoa retornava para o mesmo lugar que havia lutado para sair.

Novamente só me restou esperar.

A noite caiu e eu sonhei de novo com a mesma coruja branca, ela estava no quintal de casa e olhava bem fundo nos meus olhos ao ponto de me sentir entorpecido, de repente sentia meu corpo levitar e então...

Plaft!

O céu continuava escuro quando acordei com barulhos de passos na água. Sim! Havia alguém caminhando ao redor da canoa e me assustei quando concluí isso. O som dos passos distantes me amedronta só de pensar, acreditei estar ficando insano considerando a situação em que me encontrava; porém, a curiosidade fez-me espionar a escuridão que me assolava.

Não havia muitas estrelas no céu; contudo, aqueles olhos brilhantes que escapavam da escuridão eram similares. Havia não só um, mas vários olhos brilhantes ao meu redor. Com o amanhecer tudo continuava igual: eu, a canoa, o oceano e o desconhecido abaixo de mim.

Várias dias se passaram enquanto eu dormia e acordava, a ausência das minhas necessidades biológicas não me colocou na categoria de sobrevivente e tornei-me um inútil esquecido na imensidão. Era estranho relaxar o corpo e sentir as ondas movimentando a canoa, mesmo que ela continuasse travada no mesmo lugar.

Eu acordei no meio do sonho da coruja, bem na parte que estou entorpecido e me assustei ao perceber que estava flutuando sobre o barco. Uma luz extremamente forte brilhava e me envolvia, não conseguia enxergar nada por conta do brilho.

Meu corpo caiu imediatamente na canoa quando saí do transe e escutei vários passos correndo para longe, exceto por uma bizarra criatura humanoide de quase três metros parada em minha frente.

Outro dia.

Minhas memórias estão desaparecendo e não consigo me lembrar de como era minha vida antes de encontrar a canoa. Tenho certeza que algo horrível vai acontecer comigo...

Está anoitecendo e vou acabar dormindo uma hora. No meu sonho eu tento evitar que a coruja entre em casa e pelo visto isso tem me mantido vivo, mas também sei que não vou conseguir fazer isso para sempre.

Eu não consegui. Ela entrou pela janela.

Não estou mais no oceano, agora estou dentro de algum lugar cheio de coisas que parecem geladeiras e nelas têm muitas pessoas conservadas. Todas são diferentes umas das outras, algumas aparentam estar guardadas há séculos.

Também vi uma daquelas criaturas se tranformar em um humano que estava na geladeira. Vão fazer o mesmo comigo, só pode.

Escrevi tudo em um caderno que sempre carrego comigo, sei disso porque tem várias datas nele e sei que são minhas porque fala da canoa. Meu nome é Henry e tenho vinte e dois anos. Não sei se alguém pode estar lendo isso.

Se por acaso sonhar com essa coruja, sinto muito por você. Se por acaso encontrar uma canoa, não suba nela! Aqui me despeço, pois sei que não vou mais sair daqui sendo eu mesmo.

Adeus!

Adeus!

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