Olhos brilhantes do cemitério

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Eu cresci em frente à morte. Isso significa que moro bem na frente de um cemitério, não que isso me importe. Desde sempre soube que ali acabava a vida e cada lápide continha o nome de quem andava pela terra e agora morava abaixo dela.

O bairro era pequeno e todos se conheciam, meus vizinhos assemelhavam-se a família no quesito de ajuda e bondade. E como todo lugar pequeno, seguíamos uma tradição há muito antiga: manter as velas e lamparinas acesas para os olhos brilhantes do cemitério não se aproximarem das casas.

Os olhos brilhantes nada mais eram do que almas que saíam do seus túmulos e vagavam pela cidade, eles eram uma espécie de névoa escura e a única coisa que podíamos enxergar com clareza eram seus olhos brilhantes e vazios. Ninguém sabia o que acontecia se eles chegassem perto demais, mas a teoria seria a morte.

Então quando a noite se aproximava era sempre o mesmo processo: ascender as velas, fechar as cortinas e esperar que a manhã levasse embora aqueles que vagavam na escuridão.

Assim foi até a energia elétrica chegar na cidade, aos meus 9 anos. Tudo ficou mais claro e fácil, luzes dentro e fora de casa afastavam as trevas que nos apavorava, de forma que não era mais preocupação os olhos brilhantes e aos poucos a tradição foi esquecida.

Não apenas isso atualizou, o centro da cidade começou a crescer e abrir lojas, casas... As oportunidades de moradia e trabalho eram enormes, o que fizeram meus vizinhos abandonarem nosso bairro em busca de uma vida melhor. Eu teria feito o mesmo se membro por membro da minha família não estivesse ficando doente.

Era uma doença nova, ninguém sabia qual enfermidade os estavam matando e nenhum hospital conseguiu afastar a morte deles. Todos foram enterrados no mesmo cemitério na frente de casa. Eu morei lá até a doença levar embora a última pessoa, a que eu mais amava: minha mãe.

Depois disso comprei flores e fui até o cemitério. Tudo foi tão repentino que eu não conseguia acreditar que agora estava sozinha no mundo. Olhei pro céu e respirei fundo, pela primeira vez pisava naquele lugar e achei estranho não ter paredes ao redor, fechando o cemitério.

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Resolvi não ir embora. Sempre fui apegada a minha família e apesar de mortos não sairia de perto deles. Meu luto era forte e por isso resolvi testar a famosa tradição dos olhos brilhantes, pois simplesmente não me importava mais com o que aconteceria comigo.

Apaguei a luz de fora, não fechei as cortinas e deixei as lâmpadas da casa apagadas. Observei as casas vazias ao redor e me senti ainda mais sozinha e triste, fiquei esperando algo surgir das lápides e nada. Nenhum dos olhos surgiram e deixei as lágrimas caírem, pois só queria ver minha família, não importava a forma que estivessem.

Tentei isso por um mês e nada. A única coisa estranha que aconteceu durante esse tempo foi que após dois dias depois da visita ao cemitério, quando fui renovar as flores nas lápides, elas estavam murchas. Ignorei e só coloquei flores novas.

Já estava cansada de esperar e não ter resultados, fui até o cemitério à noite e percebi os olhos brilhantes ao meu redor dançando e senti alegria, como se estivesse no lugar certo. Encontrei minha família, muito embora não fosse proferidas palavras entre nós, fomos para nossa casa. Uma vez lá dentro, minha mãe me puxou para um lugar na casa que possuía um antigo espelho, não vi meu reflexo, apenas olhos brilhantes...

Olhei ao redor e notei a casa cheia de poeira e abandonada. Eu morri também? Quando? E por que não vieram me buscar? As respostas chegaram à noite. Eu não sabia da minha morte e nem tinha noção do tempo. Agora minha casa era o cemitério.

De noite todos nós fomos à cidade e percebi que a tradição nunca morreu, pois todas as cortinas estavam fechadas e todas as ruas bem iluminadas. Havia um casal nos olhando ao longe, acho que vieram testar se tudo era verdade. Eu sorri...

Agora que estava morta soube porque sempre fugiam de nós: quando olhavam para nossos olhos, olhavam para nossa alma e assim podíamos possuir o corpo da pessoa. Foi o que aconteceu com o adolescente que se aproximou de nós, mas nem todas as almas são boas e a que aproveitou a oportunidade era perversa. Quando possuiu o jovem simplesmente matou a garota e saiu correndo. Um homem viu isso atrás de um vidro grosso e com óculos escuros.

Quando amanheceu, a construção começou e subiram parecer ao redor do cemitério, de noite eles voltavam para casa e na manhã seguinte estavam lá. Nos fecharam lá dentro e abriam as portas durante o dia, mas fechavam durante a noite. Assim não aconteceu mais nada de ruim e também encontraram meu corpo, que foi enterrado ao lado dos meus pais.

Fiquei feliz com a possível solução que a cidade encontrou, até verem os jovens invadirem o lugar a noite procurando por adrenalina. Estou pensando em voltar para cidade com a minha família se tantas pessoas continuarem invadindo o cemitério...

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