07h52 Hora da Costa Leste - 12h52 Hora de Greenwich
Era uma vez, há milhões de anos, quando Jenna era pequena e sua família ainda estava intacta, um fim de tarde de verão como outro qualquer, no qual os três estavam no jardim da frente da casa. Não havia mais luz do sol e vários grilos cantavam ao redor deles. Mamãe e papai estavam sentados nas escadas da varanda, ombros unidos, rindo ao ver Jenna caçar vaga-lumes no canto mais escuro do jardim. Cada vez que chegava perto, as luzes amarelas desapareciam de novo, então quando finalmente conseguiu pegar um, era quase como um milagre, como uma
joia em sua mão. Ela segurou o inseto com cuidado e voltou para a varanda.
— Me dá a casinha de insetos? — pediu, e a mãe pegou um pote de geleia.
Fizeram buracos na tampa do pote, que agora estava cheia de furos tão pequenos quanto as estrelas no céu. O vaga-lume brilhou loucamente dentro do vidro, batendo as asas com força. Jenna colocou o vidro perto do rosto para examinar o bicho.
— Esse é dos bons — disse o pai. A mãe concordou com a cabeça.
— Por que é vaga-lume e não vaga-luz? — perguntou Jenna olhando com atenção.
— Bem — disse o pai com um sorriso —, por que as joaninhas são chamadas de joaninhas se o nome delas não é Joana?
A mãe virou os olhos para cima e Jenna deu uma risada. Ficaram olhando o inseto se debatendo nas paredes do pote.
— Lembra quando fomos pescar no verão passado? — perguntou a mãe mais tarde, quando já estavam entrando para dormir. Pegou a menina pela camiseta com carinho e a puxou de volta até que estivesse sentada em seu colo. — E devolvemos o peixe para a água, lembra?
— Aí o peixinho conseguiu nadar de novo.
— Isso — disse a mãe e apoiou seu queixo sobre o ombro da filha. — Acho que este vaga-lume também ficaria mais feliz se você o soltasse.
Jenna não falou nada, apesar de segurar o jarro com mais força.
— É aquela velha história — disse o pai —, se você ama alguém, deixe que
se vá.
— E se não voltar? — Alguns voltam, outros não — respondeu e apertou o nariz da filha. — Eu sempre vou voltar.
— Mas você não tem luz — explicou. O pai sorriu.
— Quando estou com você, tenho sim.
No final da cerimônia, a chuva já havia quase parado. Mesmo assim, há uma
quantidade impressionante de guarda-chuvas pretos lá fora, protegendo da névoa incessante e fazendo com que o quintal da igreja pareça mais o local de um
enterro que de um casamento. Os sinos tocam tão alto que Jenna sente as
vibrações embaixo dos pés ao descer as escadas.Assim que foram declarados marido e mulher, Charlotte e o pai de Jenna
caminharam de forma triunfante até o fim do corredor central da igreja, onde
desapareceram. Até agora, 15 minutos depois de terem selado a cerimônia com
um beijo, Jennq não sabe onde estão. Anda sem rumo pela multidão, imaginando como seu pai podia conhecer tanta gente. Ele viveu a vida inteira em Connecticut e tem poucos amigos lá; dois anos na Inglaterra e agora parece ter uma vida social intensa.
Além disso, a maioria dos convidados parece figurante de cinema, parece ter
vindo de outra história. Desde quando o pai anda com mulheres que usam chapéus elegantes e homens de colete, vestidos como se fossem tomar chá com a rainha? Aquela cena — e mais o sono, causado pelo fuso horário — faz com que Jenna sinta como se estivesse sonhando, como se estivesse atrasada o tempo todo, tentando acelerar, mas sem sucesso.
Um raio de sol passa por entre as nuvens e os convidados se viram para admirá-lo, como se tivessem sorte por estar vendo uma anomalia do clima. Em pé no meio deles, não sabe ao certo como deve se portar. As outras madrinhas não estão por lá e, com certeza, ela devia estar fazendo alguma coisa útil; não leu com atenção todos os horários e indicações que foram enviados por e-mail nas últimas semanas, e não teve tempo de fazer isso antes da cerimônia.
— Eu tenho que ir para algum lugar? — pergunta para Monty, que está dando
voltas em torno de uma limusine branca com grande interesse.Ele encolhe os ombros e volta a examinar o veículo que, provavelmente, vai levar o casal à festa mais tarde. Jenna volta para a entrada da igreja e fica feliz ao ver o vestido lilás de Violet. — Seu pai está procurando você — diz Violet, apontando para um prédio de pedras velhas. — Ele e Charlotte estão lá dentro. Ela está retocando a
maquiagem antes de começar a tirar as fotos.
— Que horas é a festa? — pergunta. Pela maneira como Violet olha para ela, parece que perguntou alguma coisa do tipo “onde está o céu”. A informação deve ser bem óbvia.
— Você não recebeu a programação?
— Não deu tempo de ler tudo — diz Jenna com vergonha.
— Só começa às seis.
— E o que fazemos até lá?
— Bem, vão demorar para tirar todas as fotos.
— E depois?
Violet encolhe os ombros.
— Vamos todos para o hotel.
Jenna fica olhando para ela sem entender nada.
— É onde vai acontecer a festa — explica —, então acho que vamos para lá ogo.
— Legal — diz, e Violet ergue uma das sobrancelhas.
— Você não vai se encontrar com seu pai?
— Isso — diz sem sair do lugar —, vou sim.
— Ele está na igreja — repete Violet devagar, como se estivesse começando
a achar que a enteada da amiga fosse meio lenta. — Bem ali.
Jenna não se mexe para ir embora. A expressão de Violet fica mais suave.
— Olhe — diz ela —, meu pai se casou de novo quando eu era mais nova que você, então sei como se sente. Mas você deu sorte de ter Charlotte como madrasta, sabia? Na verdade, não sabe. Mal sabe quem Charlotte é, mas não responde isso.
Violet franze o rosto.
— A minha foi péssima. Eu a odiava, mesmo quando me pedia para fazer as coisas mais simples, coisas que minha própria mãe me pediria para fazer, tipo ir à igreja ou ajudar na casa. Nessas horas, a maior diferença é quem está pedindo o favor, e, quando era ela, eu odiava. — Para de falar e sorri. — Aí, um dia, percebi que não era dela que eu tinha raiva, mas sim dele.
Jenna olha para a igreja por um momento, antes de responder.
— Então — diz, finalmente — acho que fui mais rápida que você.
Violet concorda, talvez por perceber que não ajudou muito, e passa a mão em seu ombro. Ela se vira para entrar na igreja e sente medo do que a espera lá dentro. O que exatamente deve ser dito a um pai que não se vê há anos quando está se casando com uma mulher que você jamais conheceu? Se há uma etiqueta para esse tipo de situação,
Jenna com certeza a desconhece. A igreja está em silêncio. Todos estão lá fora esperando pela saída do noivo e da noiva. Seus sapatos ecoam pelo chão de cerâmica enquanto caminha pelo porão, passando as mãos pelas paredes de pedra. Perto das escadas, o som de vozes flutua como fumaça, e Jenna para a fim de escutar.
— Por você, tudo bem, então? — pergunta uma mulher, e outra murmura tão baixo que Jenna não consegue escutar. — Acho que isso dificultaria tudo.
— Claro que não — diz a outra mulher, que Jenna reconhece ser Charlotte.
— Além do mais, ela mora com a mãe.
Jenna fica congelada ao lado das escadas e prende a respiração.
Lá vem, pensa. A madrasta malvada.
É agora que Jenna vai saber as coisas horríveis que têm falado sobre ela, que vai descobrir como estão felizes por ela morar longe, pois não a querem por perto mesmo. Passou tantos meses imaginando isso, imaginando o quanto Charlotte é terrível, e lá está sua oportunidade. Está tão nervosa em descobrir a verdade que quase não escuta a continuação da conversa.
— Eu queria conhecê-la melhor — diz Charlotte. — Espero que eles se resolvam logo. A outra mulher dá uma risada.
— Tipo em nove meses?
— Bem... — diz Charlotte, e Jenna tem a impressão de que ela está sorrindo. Jenna desce alguns degraus e se desequilibra nos saltos muito altos. Os corredores da igreja estão escuros e silenciosos, e ela sente frio, apesar da temperatura. Nove meses, pensa com os olhos cheios de lágrimas.Primeiro, pensa na mãe meio sem saber se quer protegê-la ou ser protegida.
Tanto faz, o que mais quer agora é ouvir a voz da mãe, porém o telefone está lá
embaixo, na mesma sala em que Charlotte se encontra, e, além disso, como daria essa notícia? Ela sabe que a mãe tem a tendência de amenizar as coisas, é quase tão tranquila quanto ela é passional. Mas isso é diferente, é algo maior, e parece impossível que até mesmo sua mãe vá se sentir calma diante dessa notícia. Jenna com certeza não está calma. Fica parada lá, buscando apoio na porta e olhando para os degraus, até que
escuta passos no corredor e o som de homens rindo. Ela sai apressada pelo
corredor para disfarçar e fica examinando as unhas com uma expressão de
casualidade, quando o pai aparece com o padre.
— Jenna — diz ele, segurando-a pelos ombros e falando como se fosse
normal vê-la todos os dias. — Este é o reverendo Walker.
— Prazer em conhecê-la, querida — fala o senhor, apertando sua mão, antes de voltar a falar com o pai. — Vejo você na festa, Andrew. Parabéns, de novo.
— Muito obrigado, padre — diz, e pai e filha observam o senhor ir embora, com
a veste negra esvoaçante como uma capa.
Quando o perdem de vista, o pai se vira para Jenna com um sorriso no rosto.
— Que bom ver você, filhota — diz ele.
Jenna não consegue forçar um sorriso. Olha para a porta do porão e duas palavras ecoam em sua mente.
Nove meses.
O pai está bem perto dela, tão perto que dá para sentir o cheiro da loção pós- barba, um odor forte de menta, e as memórias que traz fazem seu coração bater mais rápido. Ele está olhando para ela como se estivesse esperando por alguma coisa — o quê? —, como se fosse ela quem tivesse que começar a falar e deixar o coração cair aos pés dele. Como se fosse ela com segredos para contar. Passou tanto tempo evitando o pai, esforçou-se tanto para tirá-lo de sua vida — como se fosse fácil, como se ele fosse um boneco de papel —, e agora é ele
quem está mentindo para ela.
— Parabéns — murmura Jenna e aceita o abraço sem graça que acaba sendo mais cordial que qualquer outra coisa.
O pai se afasta sem jeito.
— Que bom que você conseguiu chegar.
— Que bom — concorda ela. — Foi bonito.
— Charlotte quer muito te conhecer — diz ele, e Jenna fica tensa.
— Legal — responde.
O pai dá um sorriso cheio de esperanças.
— Acho que vocês duas vão se dar muito bem.
— Legal — repete.
Ele limpa a garganta e mexe na gravata-borboleta. Parece tenso e
desconfortável, mas Jenna não sabe se é por causa do smoking ou da situação.
— Filha — diz ele —, na verdade estou feliz por encontrar você sozinha.
Quero falar com você sobre uma coisa.
Jenna estica as costas e afasta os pés como se estivesse se preparando para
receber um impacto forte. Não tem como sentir alívio por ele ter resolvido contar sobre o bebê; o mais importante é definir de que maneira reagir... Silêncio? Surpresa? Incredulidade? Seu rosto está limpo como um quadro-branco, quando ele finalmente solta a bomba.
— Charlotte queria que eu e você dançássemos uma valsa na festa — diz.
Jenna, mais chocada com isso que com a notícia que estava se preparando para receber, simplesmente encara o pai.
Ele levanta as mãos.
— Eu sei, eu sei — diz —, falei que você ia detestar a ideia, que não tinha como você querer dançar com o seu velho pai na frente de um bando de pessoas... — Ele para de falar, obviamente esperando que Jenna contribua.
— Não sei dançar direito — diz, depois de certo tempo.
— Eu sei — concorda, sorrindo —, nem eu. Mas é o dia dela, e parece que é importante, e...
— Tudo bem — diz Jenna, fechando os olhos.
— Tudo bem?
— Tudo bem.
— Que ótimo — diz o pai genuinamente surpreso. Ele não sabe como reagir e está radiante por essa vitória inesperada. — Ela vai amar.
— Que bom — responde Jenna , sem conseguir disfarçar o tom de tristeza.
Sente-se exaurida de repente, sem forças para lutar. Pediu por isso, afinal de contas. Não queria nada com a vida nova do pai, e agora lá está ele, iniciando uma vida nova sem ela. A questão não é mais Charlotte. Em nove meses, ele vai ter um outro filho, ou uma filha, talvez.
E nem sequer contou para ela.
A dor que sente é parecida com a dor de quando ele se foi; é a mesma ferida sensível que se abriu quando ele contou sobre Charlotte. Só que desta vez, sem nem perceber, ela se apoia na dor, em vez de afastá-la. Afinal de contas, uma coisa é sair correndo, fugindo de alguém que quer lhe pegar. Outra coisa bem diferente é correr sozinha.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Probabilidade Estatística do Amor À Primeira Vista
FanfictionQuem imaginaria que quatro minutos poderiam mudar a vida de alguém? Mas é exatamente o que acontece com Jenna. Presa no aeroporto em Nova York, esperando outro voo depois de perder o seu, ela conhece Gwendoline. Uma britânica fofa, que se senta a se...