Capítulo 17

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18h10 Hora da Costa Leste - 23h10 Hora de Greenwich

Da mesma maneira que a claustrofobia de Jenna de vez em quando faz com que os lugares mais vastos fiquem minúsculos, alguma coisa naquela festa — a música ou a dança, ou talvez o champanhe — faz com que as horas não sejam apenas um punhado de minutos. É como uma daquelas montagens no cinema em que tudo está acelerado; as cenas são meros flashes, as conversas são apenas instantes.

Durante o jantar, Monty e Violet fazem seus discursos — o dele cheio de risos, o dela cheio de lágrimas —, e Jenna observa Charlotte e o pai enquanto escutam as homenagens com olhos brilhando. Mais tarde, depois de cortar o bolo e depois de Charlotte conseguir fugir das tentativas do marido de sujá-la de bolo, como ela conseguiu fazer com ele, a música volta a tocar. Quando o café é servido, estão todos exaustos à mesa, com as bochechas vermelhas e os pés doendo. O noivo se senta entre ela e Charlotte, que — entre goles de champanhe e pedaços de bolo — olha para ele.
— Tem alguma coisa no meu rosto? — pergunta ele.
— Não, só estou querendo saber se está tudo bem com vocês dois — admite
ela — depois da discussão no meio do salão.
— Parecia uma discussão? — diz o noivo com um sorriso. — Era para ser uma valsa. Errei os passos? Jenna vira os olhos para cima.
— Ele pisou no meu pé pelo menos umas 12 vezes — diz ela para Charlotte
—, mas fora isso está tudo bem.
O pai abre a boca de brincadeira.
— Não foram mais que duas vezes.
— Desculpa, amor — diz Charlotte —, mas vou ter que concordar com Jenna. Meus dedinhos esmigalhados são testemunhas.
— Estamos casados há apenas algumas horas e você já está discordando de
mim? Charlotte ri.
— Prometo que vou discordar de você até que a morte nos separe, querido.
Do outro lado da mesa, Violet bate na taça com uma colher, e, em meio ao som de vários copos e talheres, os noivos se beijam novamente e só param quando percebem que tem um garçom atrás deles esperando para pegar os pratos.

Quando seu prato é retirado, Jenna afasta a cadeira e se inclina para pegar a bolsa.
— Acho que vou dar uma volta para tomar um ar — anuncia.
— Está se sentindo bem? — pergunta Charlotte, e Monty pisca de novo olhando para a taça de champanhe como se quisesse dizer que tinha avisado sobre a bebida.
— Estou bem — responde rapidamente. — Volto daqui a pouco.
O pai encosta na cadeira e sorri.
— Diga para sua mãe que mandei um oi.
— O quê?
Ele aponta para a bolsa dela.
— Diga que mandei oi.
Jenna sorri com vergonha, surpresa por ele ter adivinhado com tanta facilidade.
— Sim, eu ainda tenho o sexto sentido de um pai — diz ele.
— Você não é tão esperto quanto pensa — responde e se vira para Charlotte.
— Você vai se sair melhor. Acredite em mim.
O pai abraça Charlotte e sorri para a filha.
— Sim — concorda e beija o rosto da nova esposa —, com certeza, vai.

Jenna se afasta e ouve o pai começando a entreter o restante da mesa com histórias de sua infância, de todas as vezes que foi salvá-la, de todas as vezes em que já sabia o que estava acontecendo. Ela se vira mais uma vez e ele para de falar quando seus olhares se encontram. Suas mãos estão no ar como se demonstrasse o tamanho de um peixe ou de um campo, ou algum detalhe de
uma fábula do passado. Ele pisca para a filha.

Ao sair do salão, faz uma pausa e encosta na parede. Sente-se como se tivesse saído de um sonho ao ver os outros hóspedes usando jeans e tênis. Não consegue ouvir direito por causa da música que ficou nos ouvidos, o cenário é muito claro e um tanto irreal. Ela passa pelas portas giratórias e respira fundo quando chega lá fora. Dá boas-vindas ao ar gelado e à brisa insistente que traz o cheiro do mar. Há degraus de pedra que aumentam o tamanho do hotel, que já é ridiculamente enorme, como a entrada de um museu. Jenna sai pelo lado e
acha um lugar para se sentar. Assim que o faz, percebe que a cabeça está doendo e os pés latejando. Seu corpo todo parece pesado, e ela nem consegue se lembrar da última vez em que dormiu. Dá uma olhada no relógio e tenta calcular que horas são em casa e há quanto tempo está acordada, mas os números ficam confusos e não cooperam. Tem outra mensagem da mãe no celular, o coração de Jenna pula. Sente
como se estivessem separadas há muito mais tempo. Mesmo sem ter certeza de
que horas são em casa, liga e fecha os olhos enquanto a chamada é feita.
— Finalmente — diz a mãe ao atender. — Achei que estivesse brincando de
pique-esconde.
— Mãe — murmura ela, apoiando a testa sobre a mão. — Fala sério.
— Estava quase morrendo, querendo falar com você — diz a mãe. — Como você está? Que horas são aí? Como estão as coisas?
Jennq respira fundo e dá uma fungada.
— Mãe, desculpa pelo que falei no carro. Antes de ir embora.
— Tudo bem — responde, depois de alguns instantes de silêncio. — Eu sei que não foi por mal.
— Não foi mesmo.
— E filha, eu estive pensando...
— Em quê?
— Eu acho que não devia ter te obrigado a ir. Você já tem idade suficiente para tomar essas decisões sozinha. Foi um erro meu ter insistido.
— Não, valeu a pena. Estou até... bem.
A mãe solta a respiração.
— Está mesmo? Eu seria capaz de apostar que você estava me ligando para exigir que voltasse mais cedo.
— Também achei que fosse fazer isso — diz —, mas não está sendo tão ruim.
— Pode contar tudo.
— Vou contar — diz ela, bocejando —, mas estou muito cansada, o dia foi longo.
— Deve ter sido mesmo. Então responda só uma pergunta: e o vestido?
— O meu ou o da Charlotte?
— Nossa — diz a mãe rindo —, então ela passou de a britânica para apenas Charlotte? Jenna sorri.
— Passou. Ela é até legal. E o vestido é lindo.
— Você e seu pai têm se dado bem?
— Foi meio estranho no começo, mas estamos bem. Talvez, até felizes.
— Por quê, o que houve no começo?
— É uma longa história. Eu meio que fugi um pouco.
— Foi embora?
— Tive que ir.
— Seu pai deve ter amado isso. Você foi aonde?
Jenna fecha os olhos e pensa nas coisas que o pai falou sobre Charlotte antes, que ela fala sobre o que quer que se tornem realidade.
— Eu conheci uma mulher no avião.
A mãe ri.
— Agora sim a conversa está ficando boa.
— Fui tentar encontrá-la, mas foi meio ruim, e nunca mais vou vê-la. Ficam em silêncio, até que a mãe volta a falar com uma voz mais doce.
— Nunca se sabe — diz ela. — Olha Harrison e eu por exemplo. O trabalho que eu dou para ele. Mas não importa quantas vezes eu o tenha afastado, ele sempre volta. E eu não gostaria que fosse de outra maneira.
— Mas a minha situação é um pouco diferente.

— Bem, mal posso esperar para saber os detalhes quando você voltar.
— Amanhã.
— Isso — diz a mãe. — Eu e Harrison vamos esperar por você na esteira das
malas.
— Como se eu fosse uma meia perdida.
— Ah, filha — brinca a mãe —, você está mais para uma mala inteira. E não
está perdida.
A voz de Jenna está fraca.
— E se estiver?
— Aí é só uma questão de tempo até se encontrar de novo.
O telefone dá dois bipes e Jenna o afasta da orelha para ver o que é.
— Minha bateria está quase no fim — diz.
— A sua ou a do aparelho?
— As duas. Você vai fazer o que hoje à noite sem a minha companhia?
— Harrison quer me levar a uma droga de jogo de beisebol. Tem falado
sobre isso a semana inteira.
Ela se senta com as costas retas.
— Mãe, ele vai pedir você em casamento de novo.
— Jura? Não.
— Vai, sim. Aposto que vai colocar o pedido no telão ou alguma coisa assim. A mãe resmunga.
— Mentira. Ele nunca faria isso.
— Faria sim — diz Jenna, rindo. — É exatamente o tipo de coisa que ele faria.

As duas riem e não conseguem mais completar uma frase sem gargalhar.
Jenna para de falar e ri até chorar. É maravilhoso fazer isso; depois de um dia
desses, qualquer desculpa para rir é bem-vinda.
— Tem coisa mais brega que isso? — diz a mãe, respirando fundo.
— Com certeza não — responde e para de rir. — Sabe de uma coisa?
— O quê?
— Eu acho que você devia aceitar.
— O quê? — diz a mãe com a voz mais aguda que o normal. — O que houve, você saiu daqui para ir a um casamento e virou Cupido?
— Ele ama você — fala a filha com simplicidade —, e você o ama.
— É um pouquinho mais complicado que isso.
— Não é não. É só você dizer sim.
— E ser feliz para sempre? Jenna sorri.
— Tipo isso.
O telefone dá um bipe de novo, desta vez mais alto.
— Nosso tempo está acabando — diz ela, e a mãe ri de novo, só que agora o riso tem um quê de preocupação.
— Isso é uma indireta?
— Se servir para fazer com que você tome a decisão certa...
— Desde quando você ficou tão adulta?
Ela encolhe os ombros.
— Você e o papai devem ter feito um bom trabalho.
— Amo você — diz a mãe.
— Também amo você — responde, e aí, como se tivesse sido planejado, a ligação acaba. Ela fica sentada por alguns minutos e, finalmente, desiste de ligar o telefone e
olha para as casas do outro lado da rua. Uma luz acende numa das janelas do
segundo andar e ela vê a silhueta de um homem colocando o filho para dormir,
cobrindo-o e depois se inclinando para dar um beijo de boa-noite. Antes de sair do quarto, o homem apaga a luz e o cômodo fica escuro de novo. Jenna pensa nas histórias de Gwendoline e se pergunta se aquele menino também precisa de uma
luz noturna, ou se o beijo de boa-noite do pai é o suficiente para que ele durma um sono sem pesadelos, sem monstros e sem fantasmas. Ela continua olhando para a janela escura e para a casinha entre tantas
outras, para os postes de luz e as caixas de correio empoeiradas, para a rua em forma de ferradura, que leva ao hotel... e eis que seu próprio fantasma aparece. Fica tão surpresa em vê-la quanto Gwendoline ficou em vê-la na igreja mais cedo, e sua chegada repentina e inesperada a deixa fora de si, faz seu estômago revirar, acaba com o resto de compostura que ainda tem, destrói seu autocontrole. Gwen chega devagar, quase perdido no meio das sombras por causa do vestido escuro até que a luz do hotel a envolve por completo.

— Oi — diz Gwendoline, quando está mais perto, e, pela segunda vez, naquela
noite, ela começa a chorar.

A Probabilidade Estatística do Amor À Primeira VistaOnde histórias criam vida. Descubra agora