Capítulo 2

653 75 10
                                    

19h12 Hora da Costa Leste - 00h12 Hora de Greenwich

Os alto-falantes anunciam que um passageiro vai perder o voo, e Jenna
vislumbra a possibilidade de também perder o seu. Como se a mulher pudesse ler sua mente, lança um olhar sobre ela só para ter certeza de que ainda está lá. Ela está feliz por ter companhia, mesmo que seja inusitada. Elas passam por várias janelas que dão vista para o asfalto no qual os aviões estão alinhados como carros em um desfile. Seu coração acelera quando se lembra de que, em breve, vai ter que entrar num deles. De todos os lugares apertados do mundo, de todos os cantos, buracos e quinas, nada a assusta mais que um avião.
Aconteceu pela primeira vez no ano anterior. Era uma preocupação que dava vertigens, fazia o coração bater acelerado e o estômago se revirar de pânico.

Num banheiro de hotel em Aspen, enquanto a neve caía rápida e pesada lá fora, e o pai falava ao telefone no cômodo ao lado, Jenna teve a sensação de que as paredes estavam cada vez mais próximas, esmagando-a com a certeza
inabalável de uma geleira.

Ficou onde estava e tentou respirar com calma. Seu coração batia tão alto que nem dava para ouvir a voz abafada do pai do outro lado da parede.

— Isso — disse ele —, e teremos mais 15 centímetros hoje à noite, então amanhã vai estar tudo perfeito.

Estavam em Aspen havia dois dias, esforçando-se ao máximo para fingir que aquelas férias eram iguais às outras. Acordavam cedo e iam para as montanhas antes que ficassem lotadas; sentavam-se lado a lado na cabana com as canecas de chocolate quente; jogavam jogos de tabuleiro à noite na frente da lareira. No entanto, a verdade é que passaram tanto tempo não falando sobre a falta da mãe que era a única coisa na qual conseguiam pensar.

Além disso, Jenna não era idiota. As pessoas não vão para Oxford para dar
aula de poesia durante um semestre e, de repente, decidem que querem se divorciar sem motivo algum. E mesmo que a mãe de Jenna não tivesse falado
nada sobre isso — na verdade, ela estava evitando falar sobre o pai —, a filha
sabia que a razão devia ser outra mulher.

Havia planejado tirar a limpo a história durante a viagem à estação de esqui.
Queria sair do avião e já apontar para ele, indagando por que não voltou mais
para casa. Porém, teve um choque quando saiu da área restrita onde ficam as esteiras com malas; o pai, que a esperava, havia mudado muito. Estava com uma barba ruiva que não combinava com o cabelo escuro e um sorriso tão largo que dava para ver toda a gengiva. Não se viam fazia apenas seis meses, mas ele já se tornara quase um estranho. Ela só o reconheceu de novo quando se abraçaram.

O cheiro de cigarro e da loção pós-barba, e a voz grave dizendo que sentira
saudades eram muito familiares. Por algum motivo, isso foi ainda pior. No final das contas, não são as mudanças que partem o coração, e sim esse quê de
familiaridade. Ela não teve coragem e passou os dois primeiros dias tentando ler o rosto do pai como um mapa, procurando por pistas que pudessem explicar por que sua pequena família se despedaçou de repente. Quando ele foi para a Inglaterra no outono anterior, todos estavam super felizes.

Até então, ele era um professor sem
muito prestígio numa universidade de Connecticut, assim o convite para ir para Oxford — que tinha um dos melhores departamentos de literatura do mundo

— foi irresistível. No entanto, Jenna ia começar o segundo ano do ensino médio e sua mãe não tinha como abandonar a lojinha de papéis de parede por quatro
meses, então decidiram ficar em casa até o Natal e, depois, passar duas semanas
passeando pela Inglaterra; a família toda voltaria para casa junta. Isso obviamente não aconteceu.

A mãe de Jenna simplesmente anunciou que os planos haviam mudado e
que passariam o Natal na casa dos avós no Maine. Jenna suspeitou que o pai
apareceria de surpresa, mas a noite do Natal chegou e só havia vovó e vovô, e
uma quantidade de presentes suficiente para confirmar que estavam tentando
compensar a falta de alguma coisa.
Havia dias que Jenna escutava conversas tensas ao telefone entre seus pais e ouvia o som do choro da mãe por meio do sistema de ventilação da casa velha.

A Probabilidade Estatística do Amor À Primeira VistaOnde histórias criam vida. Descubra agora