Capítulo 15

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11h47 Hora da Costa Leste - 16h47 Hora de Greenwich

Mesmo que o pai ainda morasse com ela em Connecticut, mesmo que ela ainda se sentasse com ele para tomar café, vestindo pijama, e desse boa-noite no corredor antes de ir dormir, mesmo assim esta cena devia acontecer com a participação da mãe. Sendo pai ausente ou não, consolar a filha que está aos prantos por causa de um garoto é território materno absoluto e irrefutável. No entanto, está com o pai, a melhor e única opção no momento, contando toda a história como se fosse um segredo antigo. Ele está sentado numa cadeira virada ao contrário, e apoia os braços no encosto. Jenna agradece por ele não fazer aquela cara de professor — cabeça para o lado e olhos vazios, com uma
expressão que denota um suposto interesse. Não, a maneira como olha para ela agora é mais profunda; é a maneira
como olhou quando era criança e machucou o joelho, quando caiu de bicicleta no asfalto, quando deixou cair um vidro de cerejas no chão da cozinha e cortou o pé. Alguma coisa naquele olhar a faz se sentir melhor.
Abraçada com uma das almofadas decorativas da cama sofisticada, conta
tudo sobre o encontro com Gwendoline no aeroporto e a mudança de assento no avião.
Conta que Gwendoline a ajudou a não se sentir claustrofóbica, distraindo-a com
perguntas bobas, salvando-a como o pai já havia feito.
— Lembra como você me disse para pensar no céu? — pergunta ela para o pai, que faz que sim com a cabeça.
— Ajuda?
— Ajuda — diz. — É a única coisa que ajuda.
Ele abaixa a cabeça, mas antes elaconsegue ver que está sorrindo. Tem uma festa de casamento acontecendo lá fora, uma noiva
e garrafas de champanhe, horários a cumprir, coisas importantes. Mas ele está ali ouvindo a filha, como se não tivesse mais nada para fazer. Como se nada fosse mais
importante do que isso. Do que ela. Jenna continua contando. Fala sobre a conversa com Gwendoline, sobre as longas horas em que não podiam fazer nada a não ser conversar enquanto sobrevoavam um oceano sem fim. Conta sobre os projetos de pesquisa ridículos de Gwendoline, sobre o filme com os patos e sobre ter achado erroneamente que ela também ia para um casamento. Fala até sobre o uísque.
Não conta nada sobre o beijo no aeroporto.
Quando chega à parte em que se perdem no aeroporto, está tão afobada que mal consegue falar direito. É como se uma espécie de válvula tivesse sido aberta
dentro dela e não tem como parar a torrente. Quando conta sobre o funeral em Paddington, sobre a concretização de suas piores suspeitas, ele pega a mão da
filha.
— Eu devia ter contado — diz ela e limpa o nariz com as costas da mão. — Na verdade, nem devia ter ido lá. O pai não diz nada, para alívio de Jenna. Ela não sabe ao certo como contar o resto da história — a expressão de Gwendoline tão obscura e solene como uma
tempestade começando ao longe. Do outro lado da porta, pessoas riem e batem
palmas. Ela respira fundo.
— Eu estava tentando ajudar — explica com calma, mesmo sabendo que essa não é toda a verdade. — Queria vê-la de novo.
— Que fofa — diz o pai, e ela balança a cabeça.
— Não sou, não. Tipo, só conversei com ela durante algumas horas. É ridículo. Não faz sentido. O pai sorri e depois ajeita a gravata-borboleta torta.
— É assim que essas coisas acontecem, filha — diz ele. — O amor é a coisa mais estranha e sem lógica do mundo.
Jenna levanta a cabeça.
— O que foi?
— Nada — diz. — A mamãe já me falou exatamente essa mesma frase.
— Em relação a Gwendoline?
— Não, em geral.
— Sua mãe é muito inteligente — responde ele sem nenhum traço de ironia ou intenção, o que faz com que Jenna faça a pergunta que segurou por mais de um ano.
— Então por que você se separou dela?
O pai abre a boca e encosta na cadeira como se as palavras fossem coisas
materiais.
— Jenna— diz, mas a voz falha.
Ela faz que sim com a cabeça.
— Tudo bem — diz ela. — Deixa pra lá.
Ele se levanta tão rápido que Jenna acha que vai sair da sala. Em vez disso, ele se senta ao lado dela na cama. Ela se ajeita para ficar de lado, para que não tenham de se olhar.
— Eu ainda amo sua mãe — diz ele com calma. Jenna pensa em interrompê-lo, mas ele continua a falar. — É claro que agora as coisas estão diferentes. E há muita culpa nessa história. Mas ela ainda significa muito para mim. Você tem que saber disso.
— Então como você conseguiu...
— Ir embora?
Jenna concorda.
— Tive que ir — responde com simplicidade —, mas isso não significa que eu queria deixar você.
— Você se mudou para a Inglaterra.
— Eu sei — diz ele com um suspiro —, mas isso não teve nada a ver com você.
— Com certeza — diz, sentindo aquela raiva familiar —, teve a ver com você.
Ela quer que ele discuta, brigue, faça o papel do cara egoísta tendo uma crise de meia-idade, quer que ele seja o homem que ela vinha imaginando há semanas, há meses. No entanto, ele permanece sentado com a cabeça baixa, com as palmas das mãos sobre as pernas e uma expressão totalmente derrotada.
— Eu me apaixonei — diz ele. A gravata-borboleta está torta de novo,
lembrando Jenna de que aquele dia, afinal de contas, é o dia de seu casamento.
Ele passa a mão em volta do queixo e olha para a porta.
— Não espero que você vá compreender. Sei que sou o pior pai do mundo. Eu sei, eu sei, eu sei. Acredite, tenho consciência disso.
Ela fica em silêncio, esperando que ele continue. O que pode dizer? Ele vai ser pai de novo em breve, é uma chance de começar novamente. Dessa vez, pode ser melhor. Dessa vez, pode estar mais presente. Ele aperta o topo do nariz como se estivesse com dor de cabeça.
— Não estou esperando que você me perdoe. Sei que as coisas não vão voltar
a ser como antes. Mas quero começar do zero e queria que você começasse comigo. — Aponta a porta com a cabeça. — Sei que é tudo diferente, e que vai levar tempo, mas queria muito que você fizesse parte desta nova vida também. Jenna olha para o vestido. A exaustão que ela vem ignorando há horas está começando a tomar conta, como uma maré, como se alguém estivesse
colocando um cobertor em cima dela.
— Eu gostava da nossa outra vida — diz com o rosto franzido.
— Eu sei. Mas preciso de você agora também.
— E a mamãe também.
— Eu sei.
— Eu queria...
— O quê?
— Que você tivesse ficado.
— Eu sei, filha — repete pela milionésima vez. Ela espera pelos argumentos dele, dizendo que assim está melhor, que é o que
a mãe sempre diz quando elas têm este tipo de conversa. Mas ele não fala nada.
Jenna sopra uma mecha de cabelo que está caída no rosto. O que foi que Gwendoline disse mais cedo mesmo? Que, pelo menos, o pai dela teve a coragem de ir embora. Será que isso faz sentido? Difícil imaginar como seria a vida deles se tivesse voltado para casa no Natal e deixado Charlotte. Será que seria melhor assim? Ou seriam como a família de Gwendoline, em que a infelicidade pesava como um cobertor sobre cada um deles, sufocante e opressor e tão silencioso? Jenna sabia melhor que ninguém que até mesmo o silêncio podia virar uma coisa maior que as próprias palavras, como aconteceu entre ela e o pai, como aconteceria entre seus pais se as coisas tivessem se dado de outra maneira. Foi melhor que tivessem se separado mesmo? Impossível saber.

A Probabilidade Estatística do Amor À Primeira VistaOnde histórias criam vida. Descubra agora