Capitulo 12

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Eu não tinha muito a falar aos policiais. Não tinha visto o rosto do sequestrador e mesmo assim não podia denunciar o Nero. Laviniah me levou até em casa e Jessica passou a noite comigo para me fazer companhia. Minha mente confusa ainda não podia aceitar que Nero sempre foi o sequestrador.
Enquanto tentava aceitar esse fato, minhas lembranças vagavam pelos momentos que estivemos juntos. As noites que adormeci em seu colo enquanto lia para mim ou as vezes que cozinhamos juntos. Filmes que compartilhávamos e até mesmo as dores que sentíamos. Lembrei-me do dia que o vi peça primeira vez. A arrogância em sua voz e seu jeito sedutor. E a primeira vez que o beijei. Quando me vi em suas memorias. Ao lembrar-me disso recordei-me de algo em suas lembranças que me deixaram temerosa.
Ele ia todas as noites em minha janela e me observava olhava enquanto eu dormia. Mas por quê?
Sempre achei que fosse por estar apaixonado por mim, mas seria mesmo apenas isso?
As coisas começavam a fazer sentido. Foi depois de beija-lo que descobri tanto sobre ele, seria por isso que se negava a me beijar? Tinha medo que eu descobrisse sobre sua vida dupla?
As perguntas eram muitas. Eu tentava ser forte. Mas apenas continuava a chorar. Eu não conseguia acreditar em mais nada.
Deitada ao lado de Jessica eu vi meu telefone tocar. O numero do Nero aparecia estampado no visor do celular. Entre a curiosidade de ouvir o que tinha pra dizer e a saudade de ouvir sua voz estiquei a mão para pegar o aparelho. Jessica mais rápida que eu, pegou e deixou tocar até que caísse. Em segundos outro toque. Agora era uma mensagem. Escrita de forma rápida ela apenas dizia:

Meu amor, perdoe-me, pois não conseguir comparecer a festa. Ainda estou ocupado com alguns problemas. Estou morrendo de saudades daquela que amo mais que a mim memo.
Sempre seu,
Nero.

Ao ler a mensagem Jessica fez uma cara de quem estava brava. Ela estava tão chateada com o Nero como eu. Porém eu não podia ficar me lamentando. Quando adormeci já era tarde. E exausta fui levada ao mundo dos sonhos.
Eu tinha apenas 10 anos, sentada no banco de traz do carro. Meu pai dirigindo olhava sempre do retrovisor pra ver se eu estava bem. Tínhamos ido viajar. A minha mãe não foi por que estava resolvendo alguns assuntos, mas viria depois. Eu estava feliz. O sol entrava pelas janelas do carro enquanto o vento refrescava minha pele. Quando chegar à praia o que quer fazer primeiro, pequena? ouvia ele preguntar. Não sou pequena eu respondia. Ele me chamava assim por que sabia que me deixava envergonhada.
Foi quando o caos começou. Ele olhou para trás, pra me ver sorrir. Mas quando seu olhar voltou para frente perdeu a direção. Atropelou alguém. Eu podia ver o corpo batendo contra o vidro. Ele perdeu a direção. Minha cabeça bateu no banco da frente e eu fiquei tonta a medida que o carro capotava para fora da pista.
Então o carro parou. Podia ouvir gritos vindos de fora. Uma voz dizia eu cuido disso, era uma voz familiar. Mas não quem era?
Ainda tonta com a visão embaçada olhei pela janela. O corpo do meu pai estava jogado junto a porta da frente. Atravessado pelas ferragens ele não conseguia mais falar. Uma criatura. Isso mesmo, uma criatura estava sobre ele, eu via as asas negras. Então um desconforto, um medo irracional tomou conta de mim. Um desconforto conhecido. Mas o medo foi mais forte e eu desmaiei.
Acordei assustada. Estava suada. O sonho. Não. Não era um sonho. Eram minhas lembranças. Foi exatamente isso que aconteceu. Foi após ver aquela criatura que acabei por perder a memoria. O que era aquela sensação. O desconforto gerado era o mesmo. Eu me lembrava de tudo. Levantei-me e fui ao banheiro. Foi quando minha campainha tocou. Desci pra atender. Minha mãe tinha ido viajar e eu estava sozinha. Como Jessica já havia ido embora então eu mesma tinha que descer.
Vesti o roupão e abri a porta. Nero estava lá diante de mim com aquele sorriso de sempre. Ao perceber que não reagi a sua presença ele apenas tentou me dar um beijo no rosto como sempre fazia. Eu recuei:
- O que foi meu amor?
Ele me perguntou intrigado.
- Nero. Disse enquanto olhava para o chão Onde você estava ontem?
- Resolvendo uns assuntos meu amor. respondeu ele Ainda está chateada comigo?
- Que assuntos eram esses?
- Uma encomenda que tive que buscar. Por que esta tão fria.
- Nero. Onde você estava?
- Amor. Eu já te falei. Não me trata assim. Eu estava com saudades.
- Tudo bem. Desculpa-me. Posso te perguntar mais uma coisa?
- Claro. Se for te deixar de bom humor.
Ao responder isso, ele começou a caminhar até a cozinha e abriu a gaveta de facas.
- Por que você tem que sair tanto? Afinal é perigoso com um sequestrador por ai. Ontem durante a festa uma das garotas foi sequestrada. Você precisa tomar cuidado.
- Não se preocupe minha vida. Sou forte lembra. Está tão nervosa assim por que a Gabriela foi sequestrada?
- Um pouco. Mas como sabe disso?
Nesse momento ele ficou estático.
- Você acabou de dizer.
- Eu disse que uma das meninas foi sequestrada, não disse quem era.
- Claro que disse.
- Não. Eu não disse.
- Amor, se acalme. Você esta um tanto nervosa. Por que você esta me tratando assim?
Ao falar isso percebi em suas mãos uma faca. O medo se apoderou de mim então sem ter ideia do que fazer corri para fora. Na entrada da garagem estava estacionada uma moto Harley Davidson idêntica à usada na noite anterior. Era mesmo ele. Indo em direção a moto, eu percebi que a chave ainda se encontrava na ignição então subi e lembrando das poucas aulas de direção que tive durante esses poucos meses liguei a moto e pilotei.
Não tinha pra onde ir ou a quem pedir ajuda. Vi pelo retrovisor o Nero correndo atrás de mim, me pedindo pra parar. Mas eu não faria isso. Simplesmente decidi ir para a igreja. O Pastor Isaque conhecia bem o Nero e talvez pudesse me ajudar. Só esperava que ele pudesse fazer algo.
A igreja estava vazia quando cheguei. O pastor saiu de um quartinho que ficava no segundo andar e veio em minha direção. Eu chorava de medo.
Ele vendo o quanto eu estava nervosa tentava me acalmar, então me levou para a cozinha e começou a fazer um chá.
- O que aconteceu Michaella? perguntou O que te aflige?
- Pastor. Eu descobri tudo sobre o Nero, preciso que me ajude.
- Mas o que aconteceu?
- O Nero pastor. Ele é o sequestrador. Ele quem esta por trás dos desaparecimentos que andam acontecendo.
- Por que pensa isso minha filha?
- Ontem eu o vi na festa da Gabriela. E vi quando ele a levou embora.
- Filha. Não esta se precipitando?
- Não pastor Isaque, tem muitas coisas sobre o Nero que o senhor nem imagina.
- Hum entendo. disse ele Tome um pouco de chá e me conte mais sobre essas coisas.
Peguei a caneca de chá entre as minhas mãos pensando o que deveria falar para ele. Não sabia se ele poderia acreditar em minhas palavras, ainda mais sobre o que o Nero era.
Mas se não confiasse nele em quem eu confiaria?
- Pastor. O Nero não é o que você vê.
- Como assim minha filha?
- Ele não é exatamente como posso dizer? Humano.
- Desculpe filha, mas não consigo entender o que quer me dizer.
As palavras do pastor soavam calmas. Como se o que eu dizia não estivasse sendo levado a serio ou apenas não parecia mesmo se preocupar.
- Quero dizer pastor que ele é uma criatura sobrenatural. Ele é filho de um anjo e uma succubus entende. Eu sei que isso deve estar soando como loucura mais e verdade, eu juro.
- Calma Michaella. Não precisa ficar nervosa de novo.
- Não estou nervosa e que eu sei que isso parece idiota. Mas é verdade e sei que ele estava por traz dos desaparecimentos.
Sempre que eu dizia isso me sentia angustiada. Mas ele mentiu pra mim. Não esperava isso dele.
- Eu acredito em você. Afinal todos nós sempre temos coisas guardadas pra nós. Nem todos nós somos o que aparentamos. Talvez você só esteja assim por que não consegue aceitar isso.
- Não. Não sei o que dizer.
- Veja só Michaella. Venha. Quero te mostrar uma coisa.
Levantei-me e o segui. Estava meio temerosa, mas confiava nele. Ele me levou ao quartinho do qual ele sempre saia e lá havia uma escada que ia ao segundo andar da igreja. À medida que subíamos as escadas sentia uma voz em meu coração que me dizia pra não ir. Porém não conseguia obedecer a esse sentimento.
Chegando ao topo da escada estávamos em uma sala ainda escura, ele procurava o interruptor para ascender a luz enquanto me dizia:
- Sei que você esta com medo do Nero minha criança. É comum a humanidade temer aquilo que não conhece. Mas como eu disse todos temos segredos assim como você tem os seus, Nero tem os dele e eu tenho os meus.
Ao terminar a frase eu fui atacada por aquele sentimento de desconforto. Estava paralisada. A luz se acendeu de repente, então eu vi. Amarradas nas paredes da sala estavam às garotas desaparecidas. Cada uma delas e na ultima corrente estava Gabriela, inconsciente. Tentei voltar pelo caminho que havia vindo porem o pastor bloqueava minha saída e eu não tinha como escapar. Dei alguns passos em direção à sala, talvez lá dentro e com mais espaço pudesse dribla-lo e fugir.
Então meu corpo amoleceu, senti-me fraca e meus olhos começaram a se fechar. O desejo de fugir era grande e o desconforto era esmagador. A voz dele mudou e quando percebi não podia mais reconhecê-lo.
- Sabe Michaella. Você tem o mesmo defeito que muitas garotas da sua idade, sabia?
Ele agora estava diferente. Ainda tinha aquela aparência de 30 anos, mas os olhos eram diferentes. Enquanto me equilibrava na parede vi um cabide com a jaqueta de couro da ultima noite e o capacete usado pelo sequestrador. Reconheci o olhar e quando estava prestes a cair, ele apareceu do nada por trás de mim e me pegou em seus braços.
- Quem é você?
Perguntei com a língua mole passeando pela boca.
- Eu? Eu sou o pastor Isaque. respondeu ele - O mesmo pastor de quase 2000 anos atrás.
- Como... Como assim?
Eu dizia tentando manter a consciência. Seu hálito chegava ao meu rosto com um cheiro de morte. Minhas pálpebras pesavam e ele se divertia com a minha condição.
- O que você vai fazer comigo?
- Calma pequena Michaella, não vou te machucar. Dizia ele sorrindo Melhor não. Não confie. Você confiou no rapazinho em um shopping e quase foi dopada, confio no Nero e se decepcionou. Então melhor não confiar em mim. Afinal você tem o péssimo habito de confiar nas pessoas erradas.

Gênese: Entre o céu e o infernoOnde histórias criam vida. Descubra agora