capítulo quatro

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ANTONIETA


1

Antonieta estava num recinto empoeirado e mal-iluminado. Lá fora, perante às janelas, podia-se ver as estrelas e a escuridão extensa da noite. Dentro, naquela casa rudimentar, ela conseguia ver um breu ainda maior do que o noturno.

Seus nervos estavam agitados, e ela receava que alguém a estivesse observando por trás. Então, se virou lentamente e viu que lá tinha um espelho, grande e arcaico.

Não reparou muito em seus detalhes, apenas na menina que refletia sua imagem. E céus, não era mesmo a própria Antonieta no espelho, morta?

Mas de forma alguma era ela; a menina no reflexo era pálida e esquisita. Seu nome, como pôde descobrir nunca chegaria a saber, era Penélope.

Penélope.

2

Acordou do sonho, sem saber se era pesadelo ou não. Apenas tinha ciência de que ele a marcara com uma sensação esquisita e inexprimível engendrada pela mente.

O despertador estava tocando. Ela olhou a hora e voltou a se deitar, mas cinco minutos depois se ergueu novamente, pois o outro alarme ligou, também.

Por fim, ela desligou todos e saiu da cama.

Depois de se arrumar para a escola, ela saiu do quarto, cansada, e sentou na mesa, o punho na bochecha. Então, de repente, sentiu uma sensação desconfortável do mesmo modo que alguém percebe um erro de design: algo não estava certo.

Estava fora do lugar.

Todo dia, sem exceção, sua mãe costumava acordar mais cedo e preparar um grande café da manhã para as duas. Ela dizia que a refeição mais importante deveria ser tratada como tal, e Antonieta adorava isso.

Além disso, Anastácia era pontual. Brigava com Antonieta nos minutos finais antes delas saírem, principalmente quando a filha esquecia de algo. Por conta disso, estava sempre levantada mais cedo, com os pratos de ovos, pães, bolos e frutas na mesa.

Naquela terça-feira, nenhum prato estava sobre a mesa e pouco se via de panela suja na pia. Antonieta até conferiu os horários, mas, de um jeito ou de outro, já era para sua mãe estar lá.

Ela deve estar dormindo mais tarde, mas e o café da manhã?, então, abruptamente, refletiu: Ah, deve ser isso! Ela decidiu aproveitar o sono hoje porque sobrou muita comida ontem.

Só poderia se tratar disso. Contudo, a pontualidade...

Ela estava péssima ontem. Vomitou e tudo mais. Provavelmente vai no médico, pegar um dia de folga e só acordar para me levar para a escola. É isso, nada muito preocupante.

Com essa dedução otimista, ela pegou uma das fatias de pizzas que sobraram ontem (calabresa e a outra de quatro queijos) e esquentou no microondas. As tirou de lá e as comeu, mastigando solitária na cozinha, ouvindo o silêncio da casa e o soar do belo canto dos carros se movimentando na rua.

Ela foi enrolando ao máximo para não terminar de comer. Acabar com aquilo significava arrumar outra coisa para fazer, e ela estava bastante aflita sobre o que encontraria — principalmente após os sonhos e aquela inquietude apelativa chamada lembranças.

O que sua mãe falou ontem à noite, em relação à menina do espelho, despertou nela algo embaçado que havia acontecido aos seus sete anos de idade, um período de sua vida que — pela perda de memória graças ao acidente que ninguém chegou a saber qual (ela foi encontrada inconsciente nas ruas e levada pelo conselho tutelar) — ela nunca chegou a decifrar.

Reflexo do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora