capítulo dez

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QUEM É PENÉLOPE?


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— Uau — ela continuou —, como vocês estão quietos! Foi o José, não foi? Ele é realmente uma gracinha, vocês não acharam? — Riu. — Ai, ai. Juro e prometo que essa foi minha última brincadeirinha. Uma boa piada de despedida.

"Mas é como eu digo — essa é a minha despedida. Vejam essa chuva, essas velas e toda essa preparação! Eu estou grata pelo serviço de vocês, embora a dor de cabeça que me causaram tenha me deixado nesse estado.

"Agora, não quero usar esses poderes nunca mais. Estou exausta e tudo que quero é descansar de verdade. Minha alma não suportaria conviver com essa maldição por nem dois dias a mais. Felizmente, tudo que preciso para escapar dessa prisão está aqui. Vocês leram o livro."

O calhamaço que Antonieta havia deixado sobre o sofá flutuou e se auto-folheou, até chegar na página das maldições.

— Uma confissão, uma morte e o sangue fresco. Isso tudo parece horrível, não acham? Mas bem, terão que acompanhar. Minha pequena Antonieta fará parte do processo. A escolhi para que matasse a vítima, e ora, isso tem uma explicação racional. Mas enfim, gostaria de dizer que dar no pé agora já não é mais possível. Vocês sabem o que os esperam lá fora. Gabriel e sua família, a polícia. Antonieta, o luto. Lorraine... Hum, garotona, que tal sua doença mental? A esquizofrenia? Você sabe que só eu posso te curar. Consigo ler seus milhões de pensamentos. Sabia que ela está louca para beijar essa boca fedida a pau morto que você tem, Gabriel? Pois é.

Ele olhou para Lorraine. Ela se voltou para o outro lado, envergonhada.

— São tantas coisas que eu gostaria de falar, mas felizmente não direi mais nada. Essa coisa toda acabará em alguns minutos. Só que, para dar certo, é preciso que eu lhes conte algo. Para começar, se lembram quando eu disse que optar por Antonieta tinha um sentido por trás? Então, ela meio que é igual a mim. Pelo menos, em nossas histórias de vivências, sim.

"Eu era órfã, assim como ela. Isso foi lá em 1997, quando eu já tinha completado quinze anos. Desde sempre, eu estava acostumada a viver sem pais. Complicado mesmo era sobreviver na rua. Sim, eu morava em um abrigo, mas isso só significava que eu não ia morrer de frio à noite. O governo pouco se importava com nossa alimentação, educação e tal. Parte de nós tínhamos que nos virar com o pouco que era oferecido. Sabe como é: pouco dinheiro pra muita gente.

"Então, pra conseguir me sustentar, eu acabava indo para os semáforos vender bala. Coisa típica; se você passa por uma rua, já vê uma. Ninguém liga. E é engraçado, sabe? Por isso que eu acho a vida uma merda e quero partir logo. Diga-se de passagem que toda essa loucura pode servir de vingança para cada pessoa que nem abaixou a janela do carro pra me ouvir falar. Oh, são tão sujos! Então por que não me deram um chuveiro, seus medíocres?

"Mas veja só como o mundo é um bicho de sete cabeças: um dia, à noite, perto de eu ir embora, numa rua silenciosa, um carro preto veio e buzinou em minha direção. Quando olhei para ele, a janela estava abaixada, mostrando um homem calvo e com óculos escuros. 'Quanto tá a balinha aí, moça?', ele tinha perguntado. Eu disse o preço e ele assentiu. 'Compro todas', ele falou. 'Pode me dar'. Ah, como meus olhos brilharam de emoção! Eu estava faminta, e aquele dia não tinha rendido muito. Mas aquele homem de bom coração ia pagar tudo que faltava. Ah, que bom coração!

"Ele comprou as balas, mas também me viu feliz. Pude ver... pelo olhar dele... que ele ficou contente com isso. Foi aí que... eu ouvi. 'Você quer mais grana?', e é claro que eu assenti. Aí ele propôs: 'Se você quer ganhar duzentos reais, entra no carro e dá uma voltinha comigo.' Depois de dizer isso, a porta foi aberta e meu olhar vibrou. Encarei meus trinta reais na mão e nem pensei direito, porque as duas notas de cem cobriam a minha visão sobre o assunto. Além de que, claro, eu era muito inocente quanto a esse tipo de perigo naquela época. Em geral, não era muito de confiar nas pessoas, mas o dinheiro... Aquilo me convenceu.

Reflexo do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora