capítulo dois

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UM CORPO NO BANHEIRO


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O Cine Realeza tinha uma proposta: ser o mais rústico e cordial possível. Por conta disso, sua aparência tinha como cores principais o dourado e o vermelho. Havia um tapete no pátio principal que levava da porta de entrada até as sessões dos filmes. As paredes eram decoradas com quadros de reis europeus e pinturas de guerra. Já do lado de fora, acabaram por projetar uma imitação barata de torres de um castelo.

Gabriel amava aquele lugar. Sempre gostou do modo como as cores constratavam entre si. Adorava olhar para os quadros, onde se passavam histórias ditas mais na tinta do que nas palavras. Ele só não era muito chegado a assistir filmes num cinema, e por isso eram raras as vezes em que ele ia para lá.

Só chamou Lorenna para o Realeza porque queria agradar a garota. Mais do que isso, porque não tinha lugar mais escuro para beijar. Ademais, quem sabe ele conseguisse convencê-la a ir para a casa dele no fim? Seria um ótimo desfecho.

No entanto, Lorenna estava demorando no banheiro. Pra caramba. Em dois minutos o filme iria começar. Ele estava sentado no banco de entrada naquela hora, e o pátio se encontrava quase vazio. Nada de Lorenna voltar.

Será que ela fugiu?, um pensamento se apoderou dele. Pô, mas aí era só dizer que não queria...

Ele bateu as mãos contra a testa, em dúvida. Lorenna não parecia o tipo de menina que faria uma coisa dessas. Ela era educada, gentil, bonita, mas também tinha cara de quem dava fora em pelo menos cinco meninos por dia. E para ele, ela disse sim.

A não ser que tudo não passasse de um jogo...

... só que isso parecia paranóia demais.

Começou a sentir raiva de Lorenna. Lembrou daquelas meninas que iam ao banheiro para fazer uma coisa, e acabavam retocando a maquiagem trocentas vezes. Pra quê? Agora eles iam perder o filme!

Emburrado, ele fechou a cara e olhou o relógio. O filme já tinha começado. Quis ir embora e fazer Lorenna de besta, mas vai ver isso já era babaquice. Aguardaria ela retornar do toalete e desmarcaria o encontro.

Àquela altura, ele já não estava tão a fim quanto antes. Na verdade, sentia-se estressado e desejou estar num dos bailes funks que sempre ia aos finais de semana. Eu ainda posso ir essa noite, pensou, retomando a paciência. Isso o animou.

O problema foi que o tempo passou e Lorenna não voltou. Ele ergueu-se da cadeira onde estava várias vezes, pensando em sair, mas sempre retornava ao lugar em que parou. Não conseguia sair do Realeza. Não era uma força que o impedia, e sim sua própria ansiedade.

Pelo que recordava, ninguém, além de Lorenna e desde que ele entrou no recinto, havia ido ao banheiro. Ao feminino, pelo menos, não. E se tivesse acontecido alguma coisa com ela e ele estivesse ali parado, criando teorias ao invés de ajudar?

Ele fechou os dedos em ambas as coxas.

Ai, senhor... e se ela estiver morta?

Essa conclusão que fizera, tão horrível ao próprio som, logo se apagou de sua cabeça. Ele cogitou que pudesse ser outra coisa. Algo mais leve. Lorenna poderia apenas estar passando mal. Mas por tanto tempo, cara? Gabriel estava com medo. Não admitiu isso de primeira mão, porém o que sentiu foi a alta e sombria angústia do pavor.

Levantou-se e andou discretamente até os banheiros. Encarou as duas portas, a do masculino e a do feminino. Engoliu a saliva presa e deu um passo para o feminino. Colocou a mão na maçaneta. Olhou para os lados, certificando-se de que ninguém estava vendo. Então, entrou.

Reflexo do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora