capítulo nove

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A ESPUMA DO DIABO


1

Antonieta entreolhou os outros dois. Eles tinham a mesma expressão de relutância.

Engolindo em seco, ela se aproximou da porta lentamente. A ação da mão contra a entrada agora tinha se transformado em socos. A pessoa que estivesse do lado de fora começara a se irritar.

— Quem... é? — perguntou ela, de novo.

TOOM!TOOM!

— Abre — disse Gabriel. — Depois de tudo que aconteceu... — Ela o encarou, incrédula. — ... ficar com medo de umas batidinhas na porta...

TOOM! TOOM!

— Por que você não vem aqui e abre, então?

TOOM! TOOM!

Ele hesitou por um instante.

— Tá bom, então — disse, por fim. — Pode ser.

Eles substituíram os lugares. Antonieta ficou do lado de Lorraine e Gabriel começou a marchar até a saída, onde o barulho do baque, baque perseverava.

Gabriel respirou fundo antes de girar a maçaneta. Ele não perguntou nada para a pessoa de fora; apenas abriu e se afastou.

À frente, uma rajada de ar congelante flagelou a cutícula de quem estava aquecido pelo calor fraco (mas ainda assim existente) da casa. Todos tremeram até as pontas dos pés. Adiante, as lágrimas do mundo cobriam toda a visão, exceto a do...

As garotas arremessaram um ataque de gritos e dispararam para trás do sofá. Gabriel ficou inerte por um momento, e então, gaguejando, começou a retroceder alguns passos, ao mesmo tempo em que aquela coisa subia e descia o pé em sua direção.

No mesmo momento em que a criatura entrou, a porta magicamente se fechou — estrondo de trovão! Ele sorriu para todos os presentes, inclusive para Thiago, que acabara de acordar com aquele mesmo olhar rubro e eloquente.

A pessoa que havia adentrado — a mesma que causara tanto transtorno com as batidas — estava vestida de uma camisa preta, uma calça da mesma cor e descalça. Todas as suas peças de roupa estavam exageradamente rasgadas. Ele sorria maliciosamente. Sua pele era cinza e rachada, sendo possível ver marcas de inúmeras feridas e da própria pele viva há muito tempo ressecada. A boca, amarela e marrom, era a casa de muitas baratas, assim como o olho direito, que não existia, pois, no lugar dele, havia um grande buraco vazio e escuro. O único globo ocular que tal ser possuía estava girando em todas as direções (até mesmo para dentro!) e não parava quieto. Além disso, o cabelo do indivíduo era desalinhado e mal-cortado.

Sua aparência lembrou a todos um zumbi.

Porém, uma coisa que chamou bastante a atenção de Gabriel foram as madeixas do rapaz. Eram ruivas. E, ah, não era aquele o mesmo tamanho que José tinha quando eles se conheceram? Não era aquele o mesmo formato de rosto?

— Não pode ser... — cochichou.

O morto-vivo deu um passo à frente. Trovoada.

Thiago gargalhou.

— Quanto tempo, Gabriel — disse o falecido. — Eu estava esperando pelo momento que você voltaria para cá. Da última vez que veio, esqueceu de mim, Gab... Você me viu, Gab.

Toda vez que aquela criatura pronunciava sua fala, um licor esbranquiçado e espumoso se formava nas extremidades de seus lábios roxos, para no fim ir ao encontro do soalho.

Reflexo do MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora