Eu pinto, você pode ser a musa.

241 34 15
                                    

Wandinha odiava os sábados. Era como se todo o tédio e futilidade do mundo estivesse fazendo parte desse maldito dia. Planejava ir com sua família para a casa do seu Tio Chico mas devido à uma pessoa cujo tinha cabelos loiros e o nome de Goody, tudo foi cancelado. Ela teve uma crise de histerismo por não encontrar dois pares de botas que planejava usar e com isso todos perderam a hora do trem que levaria até a grande parte do caminho.
Wandinha gostaria de enfiar essas malditas botas em lugares na qual não devem ser profetizados em voz alta. Pra piorar o que já estava horripilante, Goody resolveu chamar Xavier para passar o dia lá, vamos recapitular toda a situação: ela estragou o meu dia, fez com que eu perdesse a oportunidade de rever meu tio e ainda chama seu namorado para ficar sentada no sofá por horas com suas demonstrações fúteis de amor enquanto eu ficaria olhando para o teto pelo resto do dia, sequer tinha meu irmão Pugsley em casa já que o próprio saiu com seus pais para o centro. Aquilo era injustiça demais.

A menina de tranças se levantou de sua cama disposta a fazer de tudo pra que esse dia passasse o mais rápido possível, então fez uma lista: escrever, cavar buracos na parte de trás do quintal e enterrar brinquedos de seu irmão, afiar todas as facas da casa, ler, refazer suas tranças e cortar sua franja. Ao fazer metade da lista, se ocupou no quintal enterrando os brinquedos favoritos de Pugsley, ele provavelmente choraria mas isso seria pra ele aprender que se quiser algo tem que correr atrás e procurar. Wandinha sorriu pensando nisso, se considerava uma boa irmã. Foi para a cozinha e se serviu com um copo de leite, passou pelo corredor que ia pra sala pensando que o casal de cachorros de rua não estariam mais lá e seu pensamento estava correto. Satisfeita ao notar a sala vazia, se sentou no sofá encarando a parede a sua frente, havia esgotado todas as coisas de sua lista e ainda eram 16h. Ela estava tão alheia a tudo que não percebeu quando uma pessoa de 1,88 se sentou a sua frente a encarando de maneira divertida e sorrindo. Wandinha ao perceber o olhou com a cara fechada, já ele sorriu mais ainda.

— Acho que estou pagando por todos os meus pecados mesmo. - Ela diz quase que inaudível mas ele escuta e gargalha. Wandinha se incomoda com aquilo, pra ela era estranho.
— Fico impressionado com sua educação. - Ela o encara mas desvia o olhar e se mantém calada, estava tão entediada que não estava nem no humor pra ameaçar Xavier. E ele percebe. - Ei, o que houve?
— Não te interessa. - Ela cruza os braços.
— Vai ficar nessa? Qual é, me fala. - Ele insiste mesmo diante da carranca da garota a sua frente. Ele não sentia mais medo daquela pequena criatura assustadora.
— Onde está sua namorada? Vá encher o saco dela e me deixe em paz.
— Foi ao mercadinho atrás de sorvete para nós. Larga de ser marrenta e me fala logo! - Ele insiste. Aquilo era irritante, pensou Wandinha. Ela queria raspar todo aquele cabelo de raiva.
— Era pra eu estar na casa do meu Tio, mas graças a irritante e mimada da sua namorada que se desespera atrás de uma bota enquanto a Amazônia está sendo desmatada, acabamos por perder o nosso trem. Agora estou aqui em um dia tão horrível que minha única distração está sendo conversar com alguém como você! - Ela se rende e a cada palavra de ódio que saía de sua boca Xavier abria um sorriso.
— Sinto muito, Wandinha. - Ele diz rindo de sua cara.
— Pare de rir, como pode ser tão feliz? - Ela pergunta genuinamente curiosa.
— Eu vejo tudo por um lado bom. Pense assim, se você não tivesse perdido o trem não estaríamos aqui conversando pela segunda vez como duas pessoas sensatas. - Ele conclui satisfeito.
— Era pra eu achar isso bom? - Ela fixa seu olhar e coloca suas mãos em frente ao seu corpo.
— Ok, mocinha. - Ele abaixa a cabeça sorrindo. - Bom, se quiser eu posso te pintar. - Ele sugere.
— Não sabia que gostava de colocar assombrações em seus quadros. - Ela arqueia uma sobrancelha.
— Talvez. Você autoriza? Assim você passa um tempo com alguma distração ou prefere ficar igual um espírito morto? Eu pinto enquanto você pode ser a musa. - Xavier se levanta sem esperar a resposta da menina indo ao quarto de sua namorada e voltando com um quadro médio e uma bolsa que continha tintas.
— Não quero cores coloridas. Minha vida é preta e branca, minha alma, minhas roupas, meu humor, meus olhos e eu. Me contentarei com apenas a tinta preta, caso contrário não quero. - Ela diz autoritária.
— Como quiser. - Ele sorri organizando as coisas e virando-se para ela. - Posso te posicionar da forma que eu quero, Wandinha? - Xavier diz a encarando, a garota parece relutar por alguns minutos mas assente com sua cabeça.
Ele vai em sua direção e começa ajeitando suas tranças, Wandinha tenta o impedir mas ele rapidamente a encara com uma cara nada boa e que dizia: "Do jeito que eu quiser". Wandinha bufa irritada mas se contém enquanto Xavier posicionava suas tranças pra frente.

— Fique assim e não se mexa. - Ele retorna ao seu quadro e parece começar a pintá-la.
— Que chatice. - Ela diz o observando.
— Calada. - Xavier sorri. Ele encara Wandinha de novo por alguns segundos analisando sua expressão e volta para a tela.
— Repita isso e eu faço uma bela pintura de como ficará seu estado após eu te assassinar pra você ter uma ideia já que defunto não consegue ver.
— Sempre tão doce. - Ironiza.
— Eu não sei como conseguiu namorar minha irmã, talvez porque ela é burra. Mas por outro lado penso que se fizermos uma análise, veremos que ambos são insuportáveis portanto se compactuam de certa forma.
Ao escutar aquilo, Xavier abre um sorriso e Wandinha nota sua covinha do seu lado direito do rosto. Automaticamente ela se repreende e pensa no quanto seria legal fazer uma cova para Xavier.
— Amanhã eu e sua família, e isso inclui você, faremos um passeio no parque da cidade. Vamos levar coisas pra comer, eu levarei algum caderno pra passar um tempo desenhando e sua irmã provavelmente... - Wandinha o interrompe.
— Vai querer tirar foto de cada esquina que ela passar e isso significa que todos nós vamos ter que parar o nosso trajeto para que Goody consiga a sua foto. - Xavier a encara sorrindo, Wandinha era um pouco exótica demais. Falava coisas grosseiras de uma forma normal e calma mas sempre é realista.
— Exato. Você vai? - Ele para sua pintura e a olha por cima da tela.
— Não. Prefiro ficar em meu quarto escrevendo. - Diz pacífica.
— Você vai! - Xavier diz terminando sua tela e limpando seus pincéis.
— Você não manda em mim. - Ela se levanta e coloca seus braços atrás de seu corpo esperando o resultado daquela maldita pintura. Era bom ela estar pelo menos bonita ou ela mataria Xavier por fazê-la ficar tanto tempo parada.
— Eu não mando, mas você vai. Será legal, amanhã você tentará me pintar e eu escreverei sobre você e vice-versa. - Ele sorri.
Wandinha se permaneceu calada esperando que ele mostrasse a tela o mais rápido possível, Xavier parece perceber então pega a pintura com cuidado e vira para que a garota pudesse ver. Wandinha ao analisar, se impressiona com o que vê mas não deixou que isso transparecesse para Xavier. Aquilo estava perfeito. Seus olhos estavam puxados com um preto brilhante, Xavier fez perfeitamente os detalhes dos seus cabelos e metade de sua roupa. Wandinha gostaria de sorrir mas ela se conteve mantendo sua carranca enquanto ele tentava estudar sua expressão.

— Fez curso, Xavier? - Wandinha tira os olhos da tela com muita dificuldade e finalmente o encara.
— Não, é um dom. - Ele sorri fraco e parecia estar apreensivo em saber da opinião da garota. - Hm... você gostou?
Wandinha o encarou e por um minuto pensou em abrir mão de sua grosseria e dizer que havia ficado maravilhada com tamanha delicadeza dos traços que estavam presentes naquela arte mas isso não era da sua índole. Ela não era a sua irmã. Se limitou a pegar a tela de Xavier e começou a subir as escadas, fazendo com que ele ficasse confuso.
— Onde vai? - Ele se vira diante as escadas. Wandinha que subia o penúltimo degrau, se vira e olha a expressão confusa do garoto.
— Ficarei com o quadro, afinal sou eu quem está nele. Até amanhã. - Ela diz e some sem esperar a resposta de Xavier.

Ele sorri, sentiu que Wandinha havia gostado mas imaginou que não escutaria algo educado de sua boca. Talvez essa seja a forma dela demonstrar que gostou. Enquanto organizava suas coisas, Goody chega com dois sorvetes em mãos e o pergunta porque ele havia trazido suas tintas para a sala sem sua tela. O garoto desconversa colocando um pouco do sorvete no nariz da menina que sorri e retribui fazendo a mesma coisa com ele.

C.

Wandinha x Xavier - Don't Blame MeWhere stories live. Discover now