16

602 84 64
                                    

Megumi nem pisca. O desgraçado devia de saber desse esquema todo esse tempo.

Borbulho de raiva enquanto olho para minha amiga.

Dessa vez ela foi mais sem noção do que o normal.

Nós estávamos falando sobre isso esses dias e ela só caga no pau mesmo. Até chamar o Junpei seria mais legal para fechar um quatro é par do que chamar esse filhote de curupira.

– Eu não vou – digo e começo a pegar minhas coisas para ir embora.

– Itadori, vamos resolver isso de boa... – Nobara tenta.

– Caralho Nobara, para de ser sem noção! Eu estava muito bem estudando a pior matéria que existe no mundo e você me tirou disso para... Um encontro? Que eu nem quero ir? – a olho chocado e ela encara Maki com uma cara dolorida antes de retrucar.

– Você se lembra do nosso primeiro ano? Do Cara Longa?

– Nobara isso...

– Não, Yuuji. Se eu tive que dar para um homem cinco anos mais velho apenas para você conseguir ir para casa antes que Nanami soubesse que você saiu escondido sem pedir nada em troca então você consegue aguentar algumas horas enchendo linguiça com a porra do seu novo melhor amigo. Vamos.

Ela passa por todos como um foguete e suspiro de frustração. Ela pode estar certa mas não muda o fato de que ao menos no nosso primeiro ano ela se ofereceu para fazer aquilo, e aqui eu estou sendo pego de surpresa para algo que nunca quis.

Passo a mão no rosto.

Nem penso no que estou vestindo e como todos parecem bem mais arrumados quando digo um "Vamos" carrancudo.

Megumi bate a mão em minhas costas como se por alguma mágica entendesse o que sinto. Mas ele não tem noção do buraco de cobra em que está se enfiando.

A verdade é que me sinto complicado. Eu odeio o jeito que esse emo trata as coisas de uma maneira mínima enquanto eu sou obrigado a repensar mil vezes sobre as merdas que ele fala.

Uau. Será que foi assim que ele se sentiu quando eu falei sobre sua mãe?

Solto um suspiro tão cansado que o menino se vira para mim no meio do caminho ao carro e acabo parando para o olhar surpreso.

– Itadori.

– Fushiguro? – tento, vendo se ele vai formular algo ou se vai apenas falar meu nome.

Ele dá um leve suspiro e sua cara mostra que nem ele acredita no que ele vai falar.

– Vamos só... Ter uma trégua, beleza? Por hoje. Pode ficar putinho todos os outros dias, mas tenho meus motivos para não ter socado a cara dela e me recusado quando ela me propôs esse jantar. Então podemos colaborar?

– Ha – digo, meio abismado – Agora podemos? Agora está valendo a pena?

– Sim. Exatamente. Por mais que sua personalidade merda dificulte.

Estou pronto para o retrucar com o xingamento mais sujo que posso pensar quando ouço Nobara nos gritando de longe.

Megumi então procede em fechar minha boca com sua mão e gritar que estamos indo. Depois puxa meu braço até o carro.

Ainda estou borbulhando de raiva ao me sentar no estofado cheiroso do carro preto e sinto que Fushiguro percebe isso, pois se afasta e não comenta mais nem uma palavra sobre no nosso caminho até o cinema.

Tento não ser ignorante no caminho até o alto edifício do outro lado da cidade, mas fica difícil quando Nobara me manda mensagens.

"Por favor" e "Por mim" ela diz e, nesse momento, nada me faria mais feliz do que uma sessão de socos com Sukuna para, talvez, aliviar minha frustrações interna.

O pior de tudo é que eu teria aceitado de boa se ela tivesse me pedido seriamente. Talvez com alguma relutância mas não estaria tão irritado quanto agora.

De qualquer jeito o grande prédio aparece em minha visão e Maki estaciona o carro ali por perto. Caminho mais atrás do que todos e a ruiva vira a cabeça algumas vezes para ter certeza de que eu não fugiria. Mas para onde eu iria? Estávamos no centro, nada poderia ser exatamente um abrigo para mim e eu não tenho carro.

Suspiro o ar amanteigado na bilheteria e mal ouço quando elas escolhem o filme. Tiro uma nota de vinte reais de minha carteira e a entrego para quem quer que tenha agarrado e me volto para o balcão de doces, decidindo tomar minha raiva com açúcar.

Com uma sacola cheia de chocolates e balinhas, pego um dos ingressos da mão da minha amiga e vamos para a fila de entrada.

Estou calado. Muito calado. Se percebem, não falam nada.

Nobara só fala o essencial comigo e depois fica aos risos com sua namoradinha.

Suspiro ao sentar do lado de Megumi na cadeira.

A sessão está praticamente vazia exceto por alguns casais que se sentam mais perto do telão.

– Pode ser que você fique com medo – sussura Megumi ao pé do meu ouvido. Finjo não perceber o arrepio cortando por minha espinha – Fique à vontade para segurar minha mão, gatinho.

– Cale a porra da boca – digo por baixo de minha respiração enquanto um título sangrento passa após os comerciais.

Praticamente não expresso emoção alguma durante o filme. Sou acostumado por culpa de Junpei com jumpscares e aprendi a lidar com meu medo por coisas imaginárias com o mesmo menino.

Por outro lado, consigo ouvir os gritos abafados de minha amiga e vejo seus pulos desesperados enquanto sua parceira ri.

Suspiro e tento voltar minha atenção às minhas balinhas. Quase consigo.

A mão de Megumi para em meio ao apoio do assento e o ouço soltar o ar profundamente.

– Ah... E você dizendo que eu era quem iria me assustar – disse antes de o olhar na cara.

Mas realmente me assustei. Mesmo na luz tênue e tremula da sala eu conseguia ver com clareza seu suor brilhante e o olhar vago. Seus lábios pálidos pareciam mais brancos que o normal e sua respiração estava tão forte que nem pensei duas vezes.

Medi seu pulso, pensando em fazer a única coisa que me vinha a mente.

– Ei, Megumi?! O que houve? – disse não tão baixo e recebi shh que ignorei. Nesse ponto Maki já havia nos olhado por conta de minha agitação e praticamente subiu sobre Nobara e me afastou do primo para conseguir virar seu rosto para ela.

– É pressão baixa e falta de ar. Ele tem ataques de asma as vezes, mas achei que você tinha tomado o remédio. Porra, Fushiguro – ela diz e arranca o pacote de doces de minha mão, não tendo relutância da minha parte.

Depois ela arranja uma bombinha em sua bolsa e o faz respirar com pouca dificuldade, apenas para enfiar minhas balinhas em sua boca.

Assisti com mais empenho do que pus no filme seus olhos se acalmarem, seu peito ficar normal e, com meus dedos ainda sob sua pele, seu coração se estabilizar.

– Não nos assuste assim, porra – digo baixinho.

– Não é como se eu pudesse ter te alertado, idiota – ele comenta.

– Ainda assim. Você poderia ter avisado quando isso começou.

– E você claramente teria ligado, né? Veja, esse é seu problema, você não enxerga a sua prepotência de merda.

– E você finge que me conhece melhor do que eu mesmo para tentar provar seus argumentos. Não crie desculpas para sua estupidez, Megumi. O único arrogante aqui é você.

E, depois de falar isso, fui até o banheiro e mandei uma mensagem para Nobara falando que não voltaria e me dispus a esperar eles encostado ao carro. Megumi não disse uma só palavra para mim no trajeto de volta.

Eu meio que agradeci a qualquer entidade existente por isso.

Uncover • ItafushiOnde histórias criam vida. Descubra agora