│22│orion

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Vivemos cada dia contando com o seguinte. Tão confiantes e arrogantes com a certeza de que haverá um amanhã e que ele será como uma folha em branco, aguardando ser preenchido com aquilo que for da nossa vontade, não consideramos os imprevistos, o caos que o amanhã pode nos reservar.

São tantas as possibilidades e desgostos que podem ser trazidos neste singelo trocar de páginas, mas não pensamos tão além. Usamos o hoje como o molde para o que virá, no entanto, um dia nunca é igual ao outro. A certeza não existe e a verdade é que nunca sabemos quais são os dias felizes e o quanto prezamos por aqueles dias tidos como "normais" até que o caos nos invade, a incerteza e o temor de se encontrar encurralado e oprimido não por uma pessoa, mas pelas circunstâncias, aquelas sobre as quais somos impotentes.

O medo de não haver um amanhã.

Nesta mesma cama onde experienciei tantos momentos de paixão e alegria eu concluo que sinto falta dos dias monótonos e comuns, o meu último dia normal parece ter sido há eras, como se outra pessoa o tivesse vivido. Tenho a impressão de que sempre estive aqui, trancado neste quarto, observando as paredes me engolirem, sem saída. Apenas contemplando minha própria insignificância.

Eu quero dormir, quero me afogar na inconsciência, mas toda vez que fecho meus olhos estou de volta a aquele estacionamento, acertando o rosto daquele estranho com meu punho tão violentamente que o ruído de ossos se partindo e ligamentos se rompendo ecoam por meus ouvidos. O pior é saber que Harry me observa, não com temor ou horror e sim algo semelhante a orgulho, peguei de relance o brilho em seus olhos e pensei que era pura impressão, a chuva era densa, nada era certo, mas no fundo, eu sei. Ele me instigou a fazer aquilo.

E por falar nele, não o vejo desde então. Não tenho noção de quantos dias se passaram, a cama ao seu lado está arrumada, assim como estava na noite anterior e na noite antes dela. De repente, a porta é aberta, ao invés de encontrar a figura esguia de meu marido um certo indivíduo de quatro patas é quem entra, com uma bolinha de borracha na boca, ele corre até mim, esfregando o focinho em minha mão.

— Desculpe, Sonny, eu não tô legal.

Claro que ele não entende e persiste.

— Son- — Resolvo fazer o esforço de envolver a bolinha com meus dedos frouxos e lançar tão fracamente que ela acerta a porta entreaberta do closet. Sonny vai pegá-la, mas muda seu caminho, se esgueirando para dentro do armário.

Penso no estrago que seus dentes podem fazer nas roupas de grife de Harry e no quão possesso ele vai ficar.

— Sonny! Vem pra cá! — Grito ao mesmo tempo que ouço o estardalhaço de objetos caindo. Sonny sai assustado, abrindo ainda mais a porta e expondo sua belíssima bagunça, ele fez a proeza de se apoiar em uma prateleira e virá-la, entre o caos percebo a caixinha preta de metal, aberta e as fotos espalhadas. Oh, espere.

Afasto as cobertas e puxo meus pés para fora da cama, o primeiro contato com o piso frio faz com que um arrepio violento corte a minha espinha, mas tento meu melhor para prosseguir, no primeiro passo caio de joelhos. O som ecoando pela casa e meus olhos voam em direção a porta, Sonny torna a se aproximar, empurrando o focinho contra meu braço, em um claro "ei, cara, levante-se", porém, não consigo, então faço o meu melhor para impulsionar meu corpo sobre o piso, me arrastando até o meu destino final. É como subir o Himalaia, mas finalmente consigo alcançar a caixa, olho de relance as polaroides, como eu disse: parece que aquele é um casal desconhecido, aqueles me são objetos não familiares.

Puxo o fundo falso da caixa e o saquinho caí. Prometi a mim mesmo que jamais tornaria a fazer isso dentro de casa, mas a situação atual não me dá escolhas. Separo pequenas fileiras e inalo rapidamente cada uma delas, é a única coisa que pode me tirar deste estado de inércia.

ANDRÔMEDAOnde histórias criam vida. Descubra agora