1 • | end of all your lines

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1958, Holmes Chapel, Cheshire;

A missa começara há pouco mais de meia hora. Depois de um longo e exaustivo sermão o padre mandou que todos abaixassem as cabeças e rezassem com ele, aproveitei o momento para me esgueirar até a saída. Ignorando a meia dúzia de cabeças curiosas que se voltaram para mim, ninguém interromperia a reza para me dedurar. Bem, é o que eu espero.

Todos os domingos de manhã nossa família se reúne e vamos à igreja. E é quando meus pais e irmã estão absortos nela que eu escapo, podendo desfrutar do único momento no qual consigo ficar sozinho. Segundo mamãe, o mundo se tornou muito mais perigoso desde a guerra. Desgraçou os homens que sobreviveram a ela, muitos voltaram doentes, com gostos anormais, por isso vinham atrás de garotinhos como eu. Sua ideia só se reforçou quando nosso vizinho, Stan, da minha idade, foi vítima de um desses homens anormais.

Por isso, eu não tinha permissão para andar sozinho. O que era ridículo, eu já tinha dezesseis e precisava que minha mãe me levasse e buscasse da padaria onde eu trabalhava.

Era sufocante tê-la me cercando dia e noite. Por isso eu prezava tão religiosamente esses momentos de liberdade. Dobrei a velocidade com que pedalava, sentindo a brisa fria batendo contra meu rosto fazendo com que alguns cachos mais longos caíssem nos meus olhos e dificultaram um pouco minha visão. Mas eu não me importava, nada poderia me parar, nem mesmo as nuvens cinzas e carregadas sob minha cabeça e os clarões dos relâmpagos anunciando a chegada de uma tempestade.

Agora eu sou tão implacável como uma força da natureza.

As ruas estão desertas, todos os fiéis estão na igreja. Mais a frente escuto o som inconfundível das batidas frenéticas do novo disco do Presley, ecoando no toca-discos do Billy's, o bar mais sujo da cidade, onde bons garotos e garotas não entram, e justamente pra onde estou indo, dou uma curva, adentrando na viela ao lado do pequeno casebre. A janela do estoque está aberta, como sempre. Escondo minha bicicleta atrás de algumas latas de lixo, garantindo que ninguém a verá e pulo a janela, caindo do lado de dentro.

É escuro e abafado, repleto de prateleiras de madeira empanturradas de tonéis de vinho, barris de rum e whisky. Sinto minha boca salivar ao lembrar do gosto do vinho, o bar pode ser um chiqueiro, mas seu vinho é o melhor.

Caminho cuidadosamente até uma das prateleiras, e abro um dos tonéis, inspirando o aroma doce e sinto meu corpo formigar em excitação.

— Ora, se não é o pequeno Styles. — Ouço uma voz familiar murmurar as minhas costas. Uma palma quente e áspera adentrando minha camisa, dedilhando cada vértebra da minha coluna com delicadeza — Tão elegante com suas camisas de seda. — Ele se aproxima, descendo a mão e fincando os dedos em meus quadris ao mesmo tempo que cola nossos corpos me fazendo arfar com a descoberta de que ele já está duro — E seus suspiros suaves que me deixam louco.

Fecho os olhos, sentindo os lábios quentes e úmidos de Zayn beijando minha nuca e descendo pelo meu pescoço. Agarro as vacilantes prateleiras de madeira, ficando minhas unhas nelas quando ele começa a mover os quadris, simulando lentas estocadas.

— Bom dia pra você também, Malik. — Retruco em meio a um gemido.

— Sabe que não temos tempo para isso, boneca.

Suspiro com seu tom de voz rígido e impaciente como sempre. Zayn é tão rústico e grosseiro nada parecido com o garoto frágil e delicado que eu sou, talvez se deva às nossas criações totalmente opostas. Sua família se refugiou na Inglaterra anos depois do fim da guerra que os levou à miséria, à custo seu pai conseguiu comprar o bar de um cara chamado Billy, porém os negócios nunca vão bem, tanto que até hoje não tinham conseguido mudar o letreiro da frente e daí o Billy's, mesmo que pertencesse a Yaser. A vida de Zayn não era fácil, ele passou por muitas coisas difíceis em seu antigo país e agora não podia ir à escola pois precisava ajudar o pai, sem falar dos outros trabalhos que fazia por fora. Enquanto eu estava matriculado em um dos melhores colégios particulares da cidade, nem sequer vi a sombra da grande guerra, meu pai tinha um ótimo emprego como escrivão e eu trabalhava na padaria apenas para matar o tédio. Então, aos olhos de Zayn eu era um mauricinho.

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