4. Clarke

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O sorriso que Lexa deu em resposta dissolveu todos os poréns que restavam, como se eu estivesse fazendo um grande favor ao concordar em vasculhar um monte de velharias com ela. Passar algum tempo sozinha com ela provavelmente era uma má ideia para mim, mas não consegui resistir à tentação. Nem queria. Nas últimas semanas, eu tinha tentado evitá-la, mas acabou se tornando difícil demais. Depois de tantos meses de exílio auto imposto, eu ansiava por me ligar a alguém. O exterior durão dela a fazia parecer segura - devia ser tão cautelosa quanto eu. Ela segurou meu pulso e eu cedi, levando-a à pilha de caixas no canto do porão que tinham o nome dela rabiscado.

- Não sei o que você vai querer, mas separamos algumas coisas.

- Você organizou tudo isso?

Ela pegou duas cadeiras de um jogo de jantar e me ofereceu uma. Para alguém tão ameaçadora, até que tinha boas maneiras, apesar de não compreender o conceito de espaço pessoal. Me larguei no assento acolchoado de veludo, assim como ela.

Uma semana depois de eu ter me mudado para o apartamento em cima do Serendipity, perguntei a Indra se ela conhecia alguém que precisasse de um funcionário para trabalhar meio período. A questão não era o dinheiro, mas o excesso de tempo livre. Eu tinha ido para Arkadia na metade de agosto, mais de um mês antes do começo do semestre na universidade. Embora estivesse satisfeita por poder fazer pesquisas para a minha tese e adiantar algumas leituras para as aulas, aquilo não me mantinha tão ocupada quanto eu queria. Ainda assim, era tudo o que eu podia fazer antes de me encontrar com meu orientador, uma ou duas semanas depois. Indra me mostrou o porão e me deu uma tarefa, resolvendo o problema dela e o meu.

- Você devia ter visto isto aqui antes de eu começar - disse, enquanto ela abria a caixa mais próxima. - Quase não dava para descer as escadas, tinha coisas demais.

- Eu já tinha descido aqui; parecia um ataque de pânico de um acumulador. Mas está bem melhor agora. - Ela relaxou os ombros, tirando o pó de um candelabro vitoriano. Fez uma careta e procurou um lugar para limpar a mão. - Tem um pano ou algo assim por aí?

- Por quê? Tem medo de uma sujeirinha? - brinquei.

- Não tenho problemas em me sujar - respondeu ela, com um sorriso malicioso. - Só não posso voltar para o trabalho parecendo que rolei no chão de um porão.

Com aquele tom aveludado, foi difícil não perceber a indireta. Antes que a minha imaginação começasse a ganhar asas, me levantei e fui até o outro lado da sala. Os panos estavam no armário dos produtos de limpeza. Joguei alguns trapos para Lexa e fiquei com um, sentando novamente ao lado dela.

Ela demonstrou ser organizada e metódica ao inspecionar cada tesouro, limpando-os delicadamente com as mãos. O cuidado com que lidava com as peças frágeis, mesmo as coisas que não queria, me deu uma noção do tipo de artista que ela era. Imaginei-a trabalhando nos clientes com a mesma precisão vigilante.

- Quer me contar o que aconteceu de verdade com a sua mão?

Olhei para ela, agradecida por meu cabelo ter criado uma barreira que cobria meu rosto e ainda me permitia vê-la. Eu não sabia por que a pergunta tinha me surpreendido. Não deveria.

- Não.

Ela deu uma risada breve e ficou em silêncio por um tempo, remexendo as caixas. Ela me entregava as coisas que não queria e eu as guardava em uma caixa vazia. Toda vez que ela fazia isso, eu inspecionava a arte em seus braços discretamente.

- Harper me disse que você tem uma ideia de tatuagem - disse Lexa, parando de mexer nas coisas e olhando para mim.

Assenti. Já tinha cogitado mostrar o desenho para ela, graças a Harper. Como eu me sentia com o coração palpitando perto dela, precisava ser cautelosa. Havia uma intimidade envolvida no processo de fazer uma tatuagem. Eu já achava Lexa atraente por várias razões, e uma delas tinha a ver com seu tipo perigoso de beleza. Ficar perto dela não amenizaria isso, e o desenho que eu tinha em mente não era nada discreto.

À Flor da Pele (G!p)Onde histórias criam vida. Descubra agora