9. Clarke

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Gente, esse capítulo é pesado. Então quem for muito sensível com descrição de violência/acidente leia com cautela ou pule a parte que tá bem no final, destacada em itálico. Boa leitura!

...

Apesar da preocupação de Lexa com o tamanho da tatuagem, ela impediu com veemência que qualquer outra pessoa a fizesse. O sentimento de posse dela em relação ao serviço era tão confuso quanto fascinante, como tudo mais a respeito dela. Era melhor não ficar pensando muito no que isso significava.

Quando eu estava perto de Lexa, todas as partes do passado que eu queria deixar para trás desapareciam, mesmo que só por uns instantes. Mas aquilo ia muito além da atração física, que tinha se tornado impossível de ignorar. Ela entendia o conceito da arte corporal como expressão pessoal de um jeito que minha família e Niylah não conseguiram. Era intenso de uma maneira que eu jamais tinha experimentado, e sua presença agia como um bálsamo que eu precisava e nem sabia. Com ela, eu me sentia segura para assumir as partes de mim que eu costumava negar por medo de ser julgada. Aquilo o tornava tanto fascinante quanto desconcertante.

Eu não conhecia a história de Lexa, mas as tatuagens que tinha visto em seu corpo e nos álbuns refletia um talento para unir delicadeza e intensidade. Queria aprender mais sobre o que inspirava a arte corporal dela nas minhas sessões, e teria bastante tempo para isso com uma tatuagem tão grande. Eu havia passado os últimos nove meses cultivando a solidão, mas naquele momento eu queria contato, físico e emocional. Se Lexa aparecesse com uma adaptação com que nós duas concordássemos, eu conseguiria ambos. O calor do toque dela fazia eu me sentir conectada e viva. Era estranho e chocante, depois de tanto tempo de isolamento. Eu esperava que a tatuagem em si trouxesse uma catarse do tipo que eu ansiava.

Andei para lá e para cá no apartamento, folheei a nova versão da minha tese, mas não consegui me concentrar o suficiente para fazer as mudanças propostas pelo professor Jaha. Deixei-a de lado e liguei a TV, mas não encontrei nada que captasse minha atenção. Tentei pensar em qualquer coisa além de Lexa, encontrar algo que ocupasse o vazio na minha cabeça. Mas era difícil, pois os outros únicos pensamentos tão constantes quanto aquela tatuadora de olhos claros eram as coisas nas quais eu não queria pensar de jeito nenhum.

Segui a linha do piercing transversal na minha orelha com a ponta do dedo. Havia certo conforto naquela dorzinha chata. Era um eco vago e fraco da dor no meu peito. Lexa tinha razão quanto ao efeito da dor física como um escape para o sofrimento emocional. A picada inicial da agulha que atravessou a minha pele e a minha cartilagem me lembrou de que eu já tinha passado por coisas piores e sobrevivido. Até então. Imaginei que a tatuagem seria muito mais purificadora, uma impressão da dor na pele; uma válvula de escape para a agonia que eu carregava comigo.

O toque do celular me despertou da autoflagelação. Eu estava quase surtando. Respirei fundo uma vez, e outra, e outra, empurrando as emoções para dentro, trancando-as no fundo do cérebro. Olhei para a tela, mas o número aparecia como desconhecido.

— Alô?

— Olá, Clarke.

Enjoo foi a primeira resposta física, seguida de medo irracional.

— Echo.

— Não tive notícias suas. Suponho que você tenha recebido minha carta.

Echo não perdia tempo com preliminares, ia direto ao ponto. O fato de ela se referir ao calhamaço de documentos como uma carta era ridículo. Não havia por que discutir aquilo com ela. Na cabeça dela, era o caminho mais lógico a seguir, mesmo que fosse insensível e doloroso.

— Recebi.

— Então você assinou. Meu advogado precisa receber tudo em breve. No final da semana?

À Flor da Pele (G!p)Onde histórias criam vida. Descubra agora