OS VERSOS DE BILLIE HOLIDAY ecoavam na cozinha cálida preenchida de risadas. Chuuya adorava Billie Holiday. O saxofone de All of me o fazia flutuar num horizonte de brumas incertas. Ele tinha certeza que, se algum dia, os dois estivessem juntos (e ele esperava que sim) ele poderia chegar em casa, que já não era mais toda sua, largar o sobretudo no cabideiro e perguntar para o homem à sua frente:
— O que está escutando?
— Billie Holiday — ele responderia. E os dois se beijariam.
Talvez, essa coisa toda pudesse funcionar. Só dessa vez.
Sentindo o coração disparar, deixou que Billie Holiday preenchesse seu vazio, enchendo-o com mais pesar e melancolia. O casual saxofone, o piano sussurrando ao fundo; havia algo no tom da música que o deixava incomodado, inquieto. Ela cantava sobre beijos furtados e desejos ocultos, jamais expressos em palavras. Cada nota era um sopro de vida barata e amores baratos.
Voltando o olhar para o ambiente, via-se, da grande janela do apartamento, uma lasca de céu azul, repleto de nuvens flocosas e foscas. O cheiro de chocolate pairava no ar, resgatando resquícios do passado e lembrando-o de quando furtavam bolo de chocolate no refeitório da Máfia do Porto, correndo em direção à lugares secretos para comê-los em segredo e fugirem de pilhas enormes de trabalho acumulado.
Conforme a voz de Billie Holiday desvanecia em melancolia e o saxofone preenchia a atmosfera, Dazai se perguntou se Chuuya se lembrava disso também. Ele esperava que sim.
A próxima música da playlist — criada há pouco em resultado de uma discussão sobre música — tinha uma estranha entrada indie, meio folk. Foi, posteriormente, a batida acústica de We fell in love in october que fez seu coração disparar, afogando-o em memórias nostálgicas de beijos debaixo de árvores desfolhadas e abraços nos parques (estes demasiado pontilhados pelas folhas mortas de outros incontáveis outonos).
A música citava ela. Mas não havia ela. Havia ele. E ele estava parado à sua frente. Tão perto, tão distante.
Osamu podia, se é que era possível, visualizar a cena ali; as folhas farfalhando conforme caminhavam e depois corriam, de mãos dadas e ofegantes. O frio vestindo seu corpo e ele sendo aquecido por Chuuya, sua pequena chama que o abraçava enquanto caminhavam naquele outono eterno. A brisa caminhando sobre sua pele e o coração ameaçando escapar de suas costelas de tanto bater.
Como alguém poderia sentir falta de algo que nunca teve? Que nunca aconteceu? Isso não fazia o menor sentido. Mas, ainda assim, ele sentia o vazio dessa perda. Uma perda que nunca existiu.
Isso poderia ter sido real, se eu não tivesse ido embora. Pensou, irritado consigo mesmo.
— MEU DEUS — o ruivo gritou pela quinta vez seguida, arrancando-o de seus devaneios. — Você tá deixando as cascas de ovo caírem no bolo — ele se irritou, aproximando-se de Osamu novamente e afastando-o da tigela onde jaziam os ingredientes.
— Mas eu não sei quebrar o ovo como você faz! — justificou-se de forma infantil, cruzando os braços.
— É, eu percebi — Chuuya rebateu, irritado, mas deu risada enquanto terminava de tirar as cascas de ovos da mistura com as mãos finas e pálidas. Suas luvas descansavam no balcão ali perto. — Você não sabe fazer nem bolo? — ele suspirou.
— Eu até tentei aprender a cozinhar, mas descobri que sou muito ruim. Acabei desistindo — Osamu deu de ombros.
— Você não limpa o próprio apartamento, não cozinha, joga seu trabalho pros outros e é absolutamente irritante. Tem idéia do quão inútil você é?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Dazai, Chuuya: Aqui estamos nós
FanficApós anos de sua saída da Máfia do Porto, Dazai tenta, aos poucos, recuperar os anos que perdeu com Chuuya, aproveitando-se da trégua entre ambas as organizações. Enquanto a bruma do crime cai sobre a cidade de Yokohama, o novo caso da Agência de De...