SEGUNDO CAPÍTULO

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Dona Firmina saltara do coletivo com os braços marcados pelas alças das sacolas. Havia feito a feira do mês. Carregava sozinha aquelas coisas, disfarçando a dor nas costas.

Caminhava pouco mais de 3 quilômetro até seu barraquinho. Uma vizinha que virara sua amiga a acompanhava no trajeto. Seu nome era Madalena ou como Firmina a chamava: Madá. Moravam na mesma rua, cada uma em uma esquina. Se conheciam por volta de vinte anos, por aí.

O sol das 11 da manhã estava forte. Queimava as costas e esquentava as cabeças que sob ele estivessem.
"Como é que suas menina tá, Fia?", Madalena perguntou embaixo do guarda-chuva.

"Iolanda trabalha que só. Susana agora tá morando num puxadinho lá pras bandas do Itapoã com o meu netinho.", ela suspirou semicerrando os olhos por conta do sol. "E os teus meninos?", Firmina indagou, ajeitando as sacolas.
"Visitei João essa semana lá na Papuda", Madá torceu o nariz.

O filho dela havia sido preso no ano passado, por volta de agosto. Foi pego traficando. "Mão pra cima! Perdeu, perdeu, neguinho!", Fia se lembrara daquele dia nitidamente. Os policiais bateram tanto nele antes de jogá-lo no camburão. As manchas de sangue no asfalto demoraram a sair. Reviraram a casa inteira. Quebraram coisas e coisas. Madalena não parava de chorar e perguntar: "Onde tá a droga, João? Onde tá essa merda, garoto?", ela soluçava e dizia: "Eles vão destruir minha casa! Meu Deus, por quê?"

"Como ele tá?", Firmina indagou mordendo o lábio e voltando ao momento presente. "Sabe, Fia, aquele dali não tem jeito não", o tom de desapontamento era evidente, ela reconhecera o timbre da voz da amiga. "... tô tentando. Eu juro. Mas o meu coração quebra toda vez que visito meu menino."

"Oh, Madá. Eu sinto tanto. Ele era bom rapaz. Esses lugar que a gente mora tem muita má influência. O desemprego no país só cresce. Os rico fica mais rico ainda. E nóis trabalha até morrer só pra ter o que comer."

Dona Firmina se calou e ficou pensando na dura realidade em que vivia. Onde o rico manda e o pobre obedece. "Mas o pobre não precisa do rico. É o rico quem precisa do pobre", disse a si mesma.

Ela conhecia aquele tipo de gente muito bem. Vivera anos trabalhando em casa de família como doméstica. Não podia usar talher, nem copo, panela ou vasilha da casa da patroa. O elevador, só o de serviço ou a escada. Não podia usar o banheiro da casa, as megeras proibiam. Fia tinha que esperar até chegar em casa para fazer suas necessidades.

Trabalhou para todo tipo de madame e patrão, principalmente aqueles que não queriam assinar carteira de trabalho. Trabalhou do Lago Sul até Sobradinho. Foi babá também, sem ser paga por isso. Um certo dia assistindo ao jornal viu uma reportagem e logo Firmina lembrou do João de Madalena. Era sobre tráfico de drogas internacional. O traficante fingia ser empresário, tinha dinheiro que só e detalhe, ele era branco. Mandava cocaína para todo lugar do mundo. Quilos e mais quilos. Mas uma coisa surpreendeu Dona Fia: ele fora chamado de "grande empresário" pelos jornalistas que escreveram a manchete, mesmo tendo cometido um crime gravíssimo e seus "negócios" serem ilegais.

Então foi aí que ela percebeu, garotos como João eram retratados de forma distinta na televisão, mesmo em casos mais leves. O filho de Madá era um rapaz jovem, negro e favelado que fizera parecido. Traficava algumas gramas de maconha somente. Mas ficará conhecido para sempre como: o traficante da 22.

"E Júlio? Como ele tá?", Fia questinou caindo em si e mudando de assunto.

Susana dormira pouco na noite anterior. Mas por sorte conseguira acordar cedo. Pegou o ônibus lotado.

Conseguiu sentar em um dos bancos preferenciais com Gael no seu colo. O garotinho dormiu a viagem inteira.
Quando chegou na parada da escola dele, Susana optou por não acordá-lo. Carregou o filho até metade do caminho. Se cansara rápido. Gael estava crescendo e seu corpo delgado já não aguentava como antes.

ᴛʀês ᴠᴇᴢᴇs ᴍᴀʀɪᴀOnde histórias criam vida. Descubra agora