Flávio buscara o filho na escolinha no horário certo. Agora ele apertava o cinto de segurança de Gael no banco traseiro do passageiro. “Papai, sabia que hoje a tia Andreia levou a gente pro parquinho?”, o menino disse sorrindo enquanto segurava um ursinho de pelúcia. “Sério, filho? Que legal”, Flávio respondeu retribuindo o semblante e deixando um beijo rápido na testa de Gael.
Depois disso, o ex-marido de Susana se sentou no banco do motorista. Deu partida no carro e o direcionou para a pista.
Flávio estava contente por poder passar um tempo com o filho. Não parava de sorrir quando o fitava pelo retrovisor. “Como a mamãe tá?”, ele indagou. “Acho que ela ficou triste porque esqueci de dar beijo nela”, Gael respondeu encarando a janela.
“É, carinha, ela deve ter ficado triste. Quer ligar pra ela?”, o pai sugeriu virando o rosto de leve na direção da criança. Ele assentiu mordiscando o lábio.
O Senador clicou no contato de Susana que estava no seu celular preso ao suporte. “Alô”, ela disse do outro lado da linha. “Oi, Susana. Já busquei o nosso muleque.”, Flávio retrucou com os olhos na pista. “Fala ‘oi’ pra sua mãe, rapazinho", ele aconselhou.
“Oi, mamãe”, Gael cumprimentou ela acenando para o celular - mesmo a chamada sendo de voz. “Oi, meu amor! Como você tá?”, Susana respondeu com a voz repleta de afeto. “Tô bem. O papai e eu vamos jogar futebol quando chegar em c-cas… na casa dele”, o filho falou gaguejando um pouco.
Flávio percebera imediatamente o que Gael dissera. Franziu sua testa, mas permaneceu calado. Depois ligaria para a ex-mulher em busca de uma explicação.
“Parece divertido, querido. Mas cê tem que almoçar antes de brincar. Combinado?”, Susana explicou tranquila. “Tô com saudade de você, filho”, acrescentou ela.
“Também tô, mamãe. É… hum… hoje eu esqueci de te dar beijo. Você ficou triste?”, Gael enrolou os dedinhos uns nos outros. Um sorriso bobo tomou conta da face de Susana.
Ela estava sentada em frente a um computador na lan house completando os dados do currículo. “Ah, eu fiquei um pouquinho só. Mas tá tudo bem”, a mãe prendia o celular entre seu ouvido e o ombro enquanto digitava, “Agora aproveita o dia com o teu pai.”
“Beijos, mamãe! Muitos beijos”, Gael se despediu. “Beijinho, meu anjinho”, ela respondera antes de Flávio dizer: “Tchau.”, desligando de repente.
Mais tarde naquele mesmo dia lá estava a pobre Susana: enfiada em uma fila grande para uma vaga de secretária numa clínica particular.
Uma marmita que custara R$ 12,00 permanecia apoiada no seu colo. Ela agarrava uma fatia do bife acebolado com as mãos, tentando lhe arrancar um pedaço. A superfície de isopor branco contava com: arroz soltinho; feijão carioca feito na hora; salada de alface, cenoura e tomate; e a carne refogada com cebola.
Faziam três horas e meia que já estava ali. A fome esbofeteou seu estômago e então não pôde se privar daquela boa e simples marmitex. “Tá num preço bom, vai”, ela disse a si mesma “... comparando com o preço das coisas no mercado.”, murmurou arregalando os olhos.
Aquilo era verdade. Os produtos do hortifruti aumentaram drasticamente de valor. O quilo do tomate estava a R$ 6,45. As cabeças de alho nem se fala. Já as proteínas também elevaram de preço, a pior carne de quinta se equiparava a 1 quilo de alcatra há alguns anos atrás quanto ao valor. O ovo - segunda opção de muitos que já não compravam mais carne - também ficou caro da noite para o dia.
“Ovo ruim!”, Dona Fia esbravejou quando sentiu aquele cheiro podre vindo do ovo que acabara de quebrar certa vez, “Cobram um rim nisso aqui. Pra ainda vir estragado. Oh ódio!”
VOCÊ ESTÁ LENDO
ᴛʀês ᴠᴇᴢᴇs ᴍᴀʀɪᴀ
RomanceCiclos se repetem, ao menos que nós criemos coragem para rompê-los.