Maria Susana carregava o filho de 5 anos e meio nos braços. O caminhão barulhento já estava estacionado em frente ao barraco. Ela se lembrara: "Meu barraco... nosso novo lar." Era um daqueles devaneios magoados e efêmeros.
Do lado de fora da casa encarava a rua que agora parecia meio estreita. Diferente do antigo bairro onde moravam até pouco tempo. Ruas estreitas indicavam certo perigo iminente para crianças. Como uma boa mãe protetora, Susana sentiu um aperto no seu peito, se perguntando: "Será que eu fiz a escolha certa?"
A resposta sensata era "não", mais tarde ela descobriria que seu ex-marido era ainda pior como ex. E que seu pesadelo havia apenas começado.
Os olhos semicerrados encaravam as demais casas. Grades nos portões e janelas, cacos de vidro afiados sobre os muros e uma certa movimentação naquele horário de pico. Os futuros - ou melhor, apenas - vizinhos saiam prontos para mais um dia de trabalho, outros iam só comprar pão para o café da manhã e as crianças direto para a escola.
Alguns a encaram meio torto como se soubessem que ela não fosse dali. Como se a rejeição já estivesse decretada. Como se os olhares dissessem: "Você não pertence aqui." Porém, muitos daqueles pensamentos eram frutos da sua imaginação fértil de poetisa. Desconectados com a realidade.
Susana suspirou lentamente acariciando a cabeça do filho repousada sobre seu ombro. Acenou de leve com a mão para um dos homens que auxiliaram na mudança. Foi como um sinal para ele de que já podiam começar.
Ela se sentira sozinha ali, de pé do lado de fora daquele lugar que abrigaria ela e seu filho. Um lugar desconhecido por eles, sem intimidade ou afeto.
"Quero que se lembre bem, Susana, a culpa de tudo isso é sua", como um filme rápido se recordou daquele momento, daquelas palavras. E ela se sentia assim, culpada. Como se realmente fosse a grande vilã do relacionamento perfeito que Flávio e ela enfeitaram para terceiros. Porque no fim todos só viam Flávio como um bom pai e esposo que tentara de tudo. Quando, na verdade, a dinâmica do casamento deles era distinta do que os outros acreditavam. O bom marido traia Susana nas festas particulares que os demais senadores organizavam. Mas daquilo ninguém sabia além dela, a mãe e irmã.
"Imbecil de merda", Susan sentiu raiva rangendo os próprios dentes. Ele havia feito de tudo para deixá-la sem nada. Até a maldita casa ele tinha dado um jeito de não estar no nome dele para não precisar repartir. A pensão para o filho era boa, não para viverem da forma como viviam, óbvio. E com o dinheiro ela havia gastando com aquela casa num bairro normal do Itapoã. Ficaria mais próxima da família, essa era uma vantagem. E mais longe da escola do filho, essa era a desvantagem.
Não demorou para que Dona Firmina e Iolanda chegassem e começassem a ajudar a colocar as coisas no lugar. Susana não olhou diretamente na cara da irmã, provavelmente havia entendido que independentemente da briga entre as duas ela precisavam da ajuda de Maria Iolanda.
"Essa cama vai ficar no primeiro quarto", avisou Susana ao homem que carregava a superfície de madeira do móvel. Ainda segurava seu filho e o balançava aos poucos, mesmo sentido seu braço adormecer.
A irmã mais nova percebera e então indagara: "Ei, quer que eu pegue ele?"
As duas se entreolharam e então Maria Susana deixou-o sob os cuidados da tia. Dizendo: "Desde... você sabe, ele tem ficado cada vez mais tímido." Iolanda nada disse, achou melhor assentir com a cabeça e voltar a desempoeirar a estante da sala quase vazia. E Susana foi atrás da mãe que jogava água misturada com sabão com ajuda de um balde no quintal."Cuidado, mainha. Não vai cair, em." Dona Fia estava meio calada desde quando chegou, estava com uma cara de poucos amigos. Uns dos rapazes nem a cumprimentou por medo de ser destratado. Susana sabia o motivo daquilo.
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ᴛʀês ᴠᴇᴢᴇs ᴍᴀʀɪᴀ
RomansaCiclos se repetem, ao menos que nós criemos coragem para rompê-los.