SEXTO CAPÍTULO

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“Oh, dindinha, num deixa nóis aqui não”, a garotinha choramingava com o rosto afundado na saia da jovem mulher. “E-eu tenho que ir, Aninha. A madrinha não pode ficar mais aqui não…”, ela retrucou com os olhos marejados enquanto acariciava os cabelos louros da criança. 

“Leva eu com ocê”, Ana chorava mais e mais. O canto dos seus olhos já estavam vermelhos e as pálpebras inchadas. “... madrinha, ele vai judiar de nóis.”

“Mas eu num posso… eu só tenho dinheiro pra mim, bichinha”

Os olhos tristonhos e caídos dela encaravam a casinha simples já distante. Com as sobrancelhas franzidas e os ombros murchos, seu tórax fazia movimentos repetidos de sobe e desce enquanto o choro lhe escorria as bochechas. E uma trouxa feita por um grande lençol marrom, carregava suas poucas roupas acima da cabeça.  

As vestes humildes evidenciavam sua vida quase por completo. Era jovem e bonita, de pele negra e sorriso largo - mas ele não estava no seu rosto, pelo menos não naquele momento, havia se dissolvido. Os cantos daqueles lábios grandes esboçavam desesperança. 

Com a terra seca e quente, suas lágrimas caíam aos montes na areia alaranjada como as chuvas de dezembro. Uma dor lhe rasgava o peito e os hematomas já meio azulados dos seus joelhos os faziam latejar. 

No horizonte ao fim da estrada de chão sua visão avistara um ônibus que cambaleava para os lados, formando uma neblina empoeirada e densa. Com a mão que estava livre abaixou sua saia pela barra, esticando o tecido para que cobrisse os machucados. E assim que aquele veículo grande e meio barulhento ia chegando próximo a ela, acenou para o motorista.

Quando o homem diminuto, magricelo e de olheiras fundas pisou no freio, a poeira instantaneamente subiu na direção da mulher que tossiu um pouco. A porta foi aberta de maneira manual. “Cês vai pra onde, moço?”, ela perguntou enquanto abanava o ar. “Teresina”, o motorista respondeu entre uma tragada e outra. 

Seu corpo hesitou por um momento, os músculos enrijeceram e sua barriga esfriou, como se cubos de gelo deslizassem por todo o seu intestino. E subiu no ônibus sem pensar muito.

“Maria!”, um homem grande e gorducho a gritava da casa, com cara de descontentamento e os olhos dominados por raiva. “Volta, Maria! Eu vô te achar, múie desgramada! Ah se eu vô!”, Firmina ouvira aquilo aos prantos fitando uma última vez aquela casa simples, de sombra perfeita formada pelas três árvores que rodeavam o lote enquanto o ônibus seguia caminho, levantando poeira pelo ar.

“Meu Jesus Cristinho, cuida das criança. Num deixa aquele homi ruim maltratar elas não”, ela rezou baixinho com os olhos cheios de lágrimas e as mãos juntas para o céu.

Era domingo e Dona Firmina se encontrava sentada em frente a sua casa numa cadeira de plástico preta enquanto encarava a rua. Algumas crianças brincavam de pipa, outras corriam umas das outras e mais a frente um grupo de mulheres conversava entre si. O cigarro em sua boca espalhava uma fumaça densa e esbranquiçada pelo ar, deixando tudo com aquele cheiro forte de nicotina. Ela parecia pensativa encarando o nada. As linhas de expressão da sua testa bem demarcadas e as sobrancelhas cerradas demonstravam certa preocupação.

A verdade era que Fia não gostava muito de crianças, todas a faziam lembrar de Aninha e Paulo. Como poderiam estar hoje em dia; se eram felizes. E consequentemente eles a faziam lembrar de Edivaldo, seu primeiro marido e na maldade que podia existir dentro daquele homem. Firmina não entendia como alguém podia ser tão ruim, aquela era sempre uma questão que a intrigava.

“Oi, mainha”, ouvira se distanciando de seus pensamentos. Era Iolanda, carregando algumas sacolas de loja em mãos com óculos escuros, tampando seus olhos. “Que sorriso é esse, minina?”, indagara Dona Fia com as sobrancelhas franzidas e um dos cantos da boca saliente. 

ᴛʀês ᴠᴇᴢᴇs ᴍᴀʀɪᴀOnde histórias criam vida. Descubra agora