"A-alô?", Susana disse quando finalmente atendeu o telefone que não parava de tocar. "Oi. Bom dia, Susana. Eu te acordei?", era a voz de Flávio. "Não, claro que não. Eu só tava lavando roupa e o celular tava longe", respondeu esfregando a blusa da escola de Gael com uma das mãos. "O que você quer?", ela indagou.
"Naquele dia que eu busquei o Gael na escola, eu te liguei dentro do carro, certo?", Flávio estava sentado embaixo do guarda-sol do quintal da sua mansão encarando a piscina através das lentes dos óculos escuros. "Certo", Susana assentiu enquanto enxaguava a camisa na esperança de retirar todo o sabão em pó.
"V-você por acaso disse que aqui não é mais a casa dele?", os olhos dela se arregalaram e seus dentes mordiscaram o lábio inferior. "O Gael me encheu de perguntas desde que... a gente... enfim, você sabe. E uma delas foi quando nós iríamos voltar para a nossa casa. Então eu disse pra ele que aqui é a nossa casa agora e que aí é a sua casa."
"Olha, Susana, aqui não é mais a SUA casa, mas ainda é a casa do nosso filho. Para de colocar merda na cabeça dele! Porque você sabe que um passo em falso eu tiro o Gael de você, disso você pode ter certeza, sua vagabunda!", e então ele desligou de súbito.
"Filho da puta...", Susana resmungou revirando os olhos.
"Quem é filho da puta mamãe?", o menininho perguntou do outro lado da janela encarando ela com aqueles olhos grandes.
A primeira coisa que quis responder na hora foi: "O traste do seu pai", mas não seria certo. Não era porque Flávio era um péssimo marido que era um pai terrível também.
Então disse: "Ninguém. E não pode falar isso, entendeu?"
Os ombros pequenos de Gael desceram juntamente com o seu olhar que se voltou ao chão, em seguida ele concordou com a cabeça falando antes de sair do cômodo: "Entendido. Desculpa, mamãe".
"Afinal, qual tratamento deve receber uma prostituta?", aquela frase ecoava na cabeça de Iolanda sem parar enquanto encarava seu reflexo no espelho do banheiro. Haviam lágrimas densas ameaçando escapar de seus olhos sem esperanças, se sentira suja mais uma vez. Sentia uma dor latente, não física, era algo a mais. Era mais pesado, doía mais. Era tristeza profunda. Sua garganta também doía, o maxilar dolorido quase a dificultava abrir sua boca.
Grandes marcas avermelhadas e doloridas no formato exato da mão de Isaac se encontravam nas nádegas de Iolanda, aquilo ardia muito, era quase impossível sentar. Aquela dor lembra a sua infância, quando seu pai te castigava com punições físicas severas. Gotas salgadas lhe escorreram pelo rosto. O batom borrado, os cabelos desgrenhados e o cheiro forte de sexo.
Iolanda se sentia como um mero objeto que tinha a função de servir; de gerar prazer; de oferecer a boca para o sexo. Seu corpo não era seu, nunca fora. Pertencia à rua; aos homens que já se acomodaram entre suas pernas; de Isaac.
"Agora, não corro o risco de ser encontrada morta em um beco qualquer", pensara consigo mesma enquanto encarava seu reflexo. Infelizmente aquela não era uma afirmação segura, no seu íntimo uma pulga coçava atrás de sua orelha, algo indagava; "Será?" Isaac era um homem poderoso que podia ser sim mal-intencionado, como havia visto na noite anterior. Mas um lado seu também repetia: "Uma transa violenta não significa que ele vai te espancar na primeira oportunidade fora da cama". E mais uma vez Iolanda escutava: "Será?"
Isaac se sentira um verdadeiro alfa enquanto batia nela, a feição jubilosa ficava cada vez mais exposta em sua face toda vez que Iolanda gritava de dor. A força o instigava, vê-la choramingar o deixava excitado. Não demoraria muito para que Iolanda juntasse as peças e visse que realmente ele não era muito diferente de Otávio e nem dos outros caras que a maltratavam na rua.
Os pulsos marcados pelo material da gravata de Isaac faziam Iolanda fita-los pensando em como os esconderia. Foi doloroso o ato. Há muito tempo havia perdido o encanto pelo sexo, existia alguma coisa que a impedia de se sentir bem, até mesmo quando não era trabalho. A ideia de perfurar a garganta o Governador lhe surgiu a mente inúmeras vezes enquanto ele estava sobre ela, mas Isaac era um homem que valia mais vivo do que morto. Porém, o sentimento de vingança não escapava de sua mente, ele a rondava. E assim que pudesse, se vingaria pelos tapas e marcas.
Já era depois das duas da tarde quando as três mulheres se encontravam na cozinha pequena da casa de Dona Firmina enquanto o garotinho de cabelos lisos via TV.
Naquele domingo fazia um calor de aproximadamente 30° graus. A testa da primogênita suava em frente ao fogão ligado em que as panelas do almoço estavam. Iolanda acompanhava a mãe fumando, as duas espalhavam aquele odor forte pela casa e enchiam seus pulmões de nicotina.
Iolanda estava meio aérea, porém Firmina e Susana não perceberam, cada uma estava presa em seus próprios problemas. Presas o suficiente para não notarem as marcas disfarçadas de maneira mal-feita nos pulsos da caçula.
"O Flávio é meio temperamental, eu conheço ele bem", Susana comentou em meio a conversa.
Havia se tornado comum as três se reunirem para falarem da vida e constantemente o ex-marido de Susana virava assunto. Toda vez ela tinha algo a dizer e por mais que começasse a prosa com: "Ele me tira do sério", sempre terminava defendendo o sujeito de alguma forma.
No ombro dela havia um pano de prato velho repousado, sua perna direita dobrada em cima da outra fazia com que todo o peso do corpo ficasse apenas de um lado da cintura.
"Ele não é temperamental. Ele é um cuzão, isso sim", Iolanda interrompeu a irmã enquanto tragava o quinto Marlboro do dia. "V-você não conhece ele como eu, Iolê", Susana respondeu imediatamente sem fitá-la.
"Pode até ser verdade, mas eu conheço homens como ele", retrucou pensativa encarando o nada. "O que você sabe sobre relacionamentos? Fala sério...", a irmã mais velha bufou voltando a mexer a panela do purê.
"O que tua irmã quer dizê é que no final esses homi é tudo igual, Susaninha", Firmina acrescentou ajustando seu pano na cabeça. "Mas o que é que ele fez agora?", questionou apagando o cigarro no cinzeiro sobre a mesa.
"Ameaçou tirar o Gael de mim", respondeu num sussurro olhando em direção a sala para se certificar que o seu menino não ouviria. "Pió é que ele pode fazê isso mermo...", Dona Fia acrescentou espremendo os músculos da face.
"Oh, mainha!", Iolanda arregalou os olhos na reta da própria mãe.
"Mas é verdade", Susana disse com uma voz fraca e chorosa ainda de costas para as duas. "E-ele pode fazer o que ele quiser...", seus braços se cruzaram acima do peito como se ela mesma se abraçasse por enquanto que às lágrimas caiam.
Iolanda e Firmina se levantaram cada um no seu tempo e a afagaram por trás. A caçula acariciou as costas da irmã com a testa tentando consolá-la em meio aos seus soluços. Sua mãe fazia carinho no seu couro cabeludo deixando beijinhos naquelas bochechas molhadas, sussurrando: "Nóis tem que lidar com as atitude que nóis mermo toma, Susana. Tá na hora de cê aprendê isso."
E ela aprenderia, mas não agora. Iria demorar para se dar conta de que talvez o inferno não fosse atrás daquelas persianas brancas.
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ᴛʀês ᴠᴇᴢᴇs ᴍᴀʀɪᴀ
RomanceCiclos se repetem, ao menos que nós criemos coragem para rompê-los.