"O que acha de me dar umas palmadas, benzinho?" Iolanda disse recostada no poste, a luz da lanterna do carro que passava reluzia sobre a placa de pare.
Quando seus lábios se selaram aquelas palavras voltaram com tudo para a sua garganta. Uma memória veio à mente. Lembrara de uma noite qualquer, escura e quente da sua doce infância. A porta do casebre que sua família morava fora fechada um pouco mais forte naquela noite. Aquilo a fez enquanto criança tremer. Os passos tortos do seu pai iam na sua direção, até o quarto do casal; ele se sentara na beirada da cama exalando um odor forte de álcool.
Dona Firmina - mãe de Iolanda - gritara a menininha da cozinha: "Desliga a TV, fia." Seu dedinho indicador se direcionara até o botão voraz e determinadamente. O objeto pequeno, circular e cinza recuou. As cores daquela caixa barulhenta sumiram. Iolanda girara seus calcanhares despreocupada. Aquilo foi tão rápido. Sentiu o peso da mão de seu pai sobre sua bochecha direita. O rosto dele se desfigurara diante dos seus olhos. Seu corpo pequeno cedera a gravidade.
"Menina... burra!" Ela escutou o vociferar do homem bêbado que a registara, que a chamara de filha.
Iolanda engoliu o seco que a lembrança causara. Voltando à realidade. O canto da sua boca se elevou enquanto fitava pungentemente o nada. Ela caiu em si, retornando com o sorriso provocante de antes. Aquele carro encostou mais a frente. O cara de cavanhaque a encarou pelo retrovisor esquerdo. Iolanda sabia o que aquilo significava. Pensou consigo mesma: "Hora de ralar."Dentro do carro abafado, com as janelas fechadas. Ouvia-se o respirar de ambos. Iolanda gemia - obviamente não de prazer, aquele era seu o trabalho. O cara transpirava olhando-a rebolar sobre seu colo magro. O suor pingava da sua testa e a expressão que ela bem conhecia começara a se formar.
Iolanda intensificou seus movimentos, firmando seus dedos sobre o pescoço enrugado do homem. Gemeu mais uma vez como se de alguma forma ela pudesse estar se divertindo.
Aquela dali sabia fingir. Enganava os clientes facilmente. Talvez eles cedessem ao seu olhar infantil manipulado - aquilo atraia o gênero masculino com muita facilidade, Iolanda havia descoberto da pior maneira. Ou as risadas forçadas e finas durante o sexo, como se eles fossem realmente bons o suficiente. Para ela aquilo não era nada mais que um mero trabalho, sendo tão entediante quanto.O cara revirou seus olhos quando chegou ao ápice. Apertou a pele do quadril de Iolanda. Enquanto isso ela também revirara os seus, mas por motivos distintos.
"Patético." Ela pensou. E realmente era.Ao receber seu pagamento saiu sem olhar para trás. As roupas agora descansavam dentro de uma sacola enfeitada de loja de sapatos.
Iolanda caminhou sobre seus saltos até a parada mais próxima e lá aguardou. A rua vazia facilitara a procura por serviços, seus serviços. Muitos temiam a noite, ela, porém não.
Deu sinal para o ônibus assim que o avistou. O motorista simpático abriu a porta principal, ela e mais três passageiros adentraram o coletivo. Caçou no fundo da bolsa pelas moedas que tinha e pagou o cobrador com exatamente R5,50 Rodou a roleta e viu aquela superlotação. Então se espremeu entre uns e outros ali. Segurou firme a barra amarelada, sentindo o cansaço cair sobre os ombros.
Pensara brevemente na quantia que havia conseguido no dia. O total até onde se lembrava era R$ 1.750. A procura hoje tivera sido alta, aquele era o resultado. Um sorriso espontâneo e sem mostrar os dentes apareceu no rosto de Iolanda. Aquele dia havia sido bom. Sem contar com os caras babacas, é claro.
Ela se encarou pelo reflexo do vidro do ônibus. Suspirou aliviada. Agora era hora de ir para casa. A dor nas pernas e na mandíbula no final valiam de alguma coisa.
A tranquilidade reinava sobre suas íris castanha-claras. O dinheiro estava guardado em um lugar seguro. Iolanda havia aprendido que com o trabalho que tinha que não podia andar com todas aquelas notas dentro da bolsa. E no início, quando havia começado há pouco tempo fizera isso. Desceu do ônibus quando mais nova com sua bolsinha rosa. Três caras a abordaram e a deixaram inconsciente. Ao acordar o dinheiro não estava mais lá. Chorou por tudo naquele dia, por dormir com estranhos e por ter sido assaltada.
Então uma amiga de Iolanda chamada Paola ensinou um truque, dizendo: "Deus sabia que o mundo odiaria as mulher como a gente. Ai deu a nóis a capacidade de enfiar qualquer coisa dentro de qualquer buraco." Era só revestir em camisinha e introduzir. Doeu das primeiras vezes, só que de tanto fazer, parou.
De acordo com as fofocas que ela escutara, Paola já havia feito a cadeia de lar durante alguns anos e lá tinha aprendido isso. Sendo ou não verdade, Iolanda escutou a dica, até ensinou para as garotas que vieram depois dela. Lembrou do que dissera a uma delas: "Se não for a gente pela gente, não ia ter um sequer."
E aquilo era verdade. Por isso que doía tanto.No seu apartamentinho Iolanda fitava a si mesma no espelho semi sujo do banheiro. Desnuda reparava nas suas marcas. Marcas que alguns daqueles malditos deixavam nela. Ela sentia nojo deles e principalmente de si. O cheiro forte de sexo vinha da sua pele. Com o nariz retorcido entrou dentro do box.
Quando terminou pisou no tapete de textura desagradável. Escorreu seus curtos cabelos pretos e se cobriu com a única toalha dali. Suspirou em silêncio. O tinir do telefone se espalhou pelos cômodos do lugar de repente. Iolanda saiu andando até a sala de estar, deixando suas pegadas molhadas pelo chão.
"Oi, fia" era Dona Firmina. ", como cê tá?""Oi, mainha!" Iolanda pegou o telefone, sentou no sofá ali mesmo e deixou o aparelho sobre seu colo, continuando: "Tô cansada. Sabe como é." Firmina, ou como a apelidaram, Fia, assentiu com a cabeça do outro lado da linha, retrucando: "É, eu sei bem. Mas o emprego é bom, minha filha, tem que continuar nele." Ela nem desconfiara, jurava que Iolanda trabalhava numa firma de contabilidade - mesmo sem entender bem o que a filha fazia, a mãe se orgulhava. Iolanda respondeu meio seca: "Eu sei", ela deitou sua cabeça sobre o encosto e fitou seus pés.
"E paga bem", Dona Firmina acrescentou na esperança de incentivá-la. O que sinceramente, não ajudou, só fez um nó crescer dentro do coração da filha. Prosseguiu a mãe de Iolanda: "Mas e então? Vai fazer o que na tua folga?""Amanhã?" Ela indagou franzindo o rosto. Se esquecera que nas quartas-feiras não ia para a tal firma - vulgo ponto - e que tinha um compromisso tarde da noite. "Uhum", Firmina confirmou. "Ah sei lá, mainha... hum... de noite tenho que ir fazer um bico que me arranjaram."
Doía mentir. Principalmente para a própria mãe, mas Iolanda sabia que se falasse a mãe não entenderia e se entendesse, não iria aceitar. Pensara ela em silêncio: "Ninguém quer que a filha seja puta.""Tava pensando aqui hoje, Mariazinha", Iolanda ouviu com atenção enquanto roía uma das unhas dizendo em seguida: "Pow, mainha, já falei pra não me chamâ assim que eu não gosto", seu rosto se cerrou. "Fique sabendo, Maria Iolanda, que esse foi o nome que eu te dei e é assim que eu vô te chamâ, oxente", Firmina bufou. "Tava aqui pensando", a mulher prosseguiu, "tua irmã se muda amanhã para aquele muquifo no Itapoã. O que cê acha que nóis ir lá ajudar ela com a mudança e com o menino?"
Iolanda nada disse. Então Dona Fia confessou: "Óia, filha, Susana tá sim com raiva de tu. Mas tá sendo difícil pra ela também. O Flávio fudeu ela com esse divórcio. Susana e o moleque precisa de nóis."
"Tá. Eu vou lá ajudar com a casa."
VOCÊ ESTÁ LENDO
ᴛʀês ᴠᴇᴢᴇs ᴍᴀʀɪᴀ
RomansaCiclos se repetem, ao menos que nós criemos coragem para rompê-los.