Jantamos cervo assado naquela noite. Embora eu soubesse que era tolice, não protestei quando cada uma de nós comeu uma segunda vez antes de Feyre declarar que já era o bastante. Passaria o dia seguinte preparando as partes restantes da corça para o consumo, enquanto Feyre separaria algumas horas para curtir as duas peles antes de levá-las ao mercado. Ela conhecia alguns mercadores que poderiam se interessar por tal compra - embora nenhum provavelmente a daria a quantia que mereciamos pelas peles. Mas dinheiro era dinheiro, e não tinhamos tempo ou fundos para viajar até a cidade grande mais próxima a fim de encontrar uma oferta melhor.
Lambi os dentes do garfo, saboreando resquícios de gordura que cobriam o metal. Minha língua deslizou pelas pontas tortas - era parte de um faqueiro tosco que meu pai recuperara da ala dos criados enquanto os credores saqueavam nossa mansão. Nenhum de nossos talheres combinava, mas era melhor que usar os dedos. Embora eu não me importasse, poderia usar tanto um quanto o outro. Mas, isso resultaria na voz repreensível de Nestha, alegando que eu me comportava como uma "selvagem".
Ela usava muito esse termo para se referir a mim, o qual eu apenas mandava ela se fuder e começava a matigar mais alto, no intuito de irritá-la. Era meu passatempo favorito, sem dúvida alguma. Seu olhar de repreensão, me fazia lembrar da mamãe.
Minha mãe. Altiva e fria com os filhos, alegre e deslumbrante entre os conhecidos que frequentavam nossa antiga propriedade, apaixonada por meu pai - a única pessoa que ela realmente amou e respeitou. Mas também amava de verdade as festas; tanto que não tinha tempo de fazer nada comigo, a não ser contemplar a forma como eu lia um livro sem gaguejar e se enfurecer com minha habilidade em construír coisas com objetos que encontrava pela mansão, a ultima coisa a irritava bastante, ainda mais quando eu criava algum tipo de arma, ela dizia que aquilo só afastaria de mim, a possibilidade de ter poderiam um futuro marido. Se ela tivesse vivido tempo o bastante para ver nossa riqueza ruir, teria ficado arrasada. E teria percebido que minha predisposição para construir armas, nos manteve vivos. Mais...talvez o fato de ela ter morrido tenha sido um ato de misericórdia.
Dou uma risada sem humor, diante de minha própria constatação.
Os deuses e seu humor ácido.
De qualquer forma, pelo menos sobrava mais comida para nós.
Pus o garfo na mesa e observei as chamas de nossa lareira minguada dançarem pela lenha restante, estendendo as pernas doloridas sob a mesa. Aquela caça acabou comigo, suspirei, voltando meu olhar para Feyre que sorriu para mim, enquanto afagou meu ombro. Aquele contato simples, era a forma dela de me passar conforto, o que ajudava muita das vezes.
Virei para minhas irmãs. Como sempre, Nestha reclamava dos aldeões - que não tinham modos, que não tinham traquejo social, ou não faziam ideia de quanto o tecido de suas roupas era inferior, embora fingissem se tratar de seda fina ou chiffon. Revirei os olhos em tédio, diante daqueles comentários sem cabimento. Desde que perdemos nossa fortuna, as antigas amigas passaram a ignorá-las incontestavelmente, e minhas irmãs mais velhas agiam como se os jovens aldeões fossem um círculo social de segunda classe.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Corte de Dor e Esperança - Cassian
FanfictionA mais jovem entre as irmãs da família Archeron. Leana Archeron era percebida de longe, devido à sua beleza delicada e por seu temperamento impulsivo, como também, seu talento e predisposição para o ofício em armamentos de guerra. Desde seus treze a...