Parcum

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Manu

Há lugares que nos fazem arrepiar e não de um jeito bom. Foi assim que me senti quando Rafa parou o carro em frente ao portão da nossa antiga escola. Meu coração começou a acelerar e acelerar. Meu sangue corria desesperado pelo corpo em direção ao centro. Adrenalina correndo a mil. Necessidade de me proteger. Puro medo. Pavor. Eu não conhecia bem os sentimentos, mas com esses eu definitivamente tinha muita intimidade.

Tudo acontecia e se movia dentro de mim de forma frenética, mas meu corpo, como quase sempre, estava estagnado, eu não tive qualquer reação externa e tinha plena consciência de que Rafa me observava em total apreensão. Apenas girei a cabeça em choque e a observei de volta, com um olhar que disse o suficiente para que ela tremesse de imediato.

-- Foi uma péssima ideia? - ela questionou mais pra si mesma do que pra mim. Pura angústia. Seus dentes maltratando seus lábios. A pele morena se tornando vermelha. Os olhos alucinados analisando meu rosto. Eu ainda não me movia, mas ela levou a mão à ignição rapidamente e deu partida no carro sem eu nada precisar dizer. Ela entendeu e eu senti um total alívio por não precisar explicar. -- Vamos sair daqui! Apenas se acalme. Respira, manu. Estamos saindo daqui!

Foi tudo que Rafa disse repetidas vezes em pleno nervosismo enquanto acelerava e nos tirava da frente daquele portão. Meu coração caiu. Eu podia ver como suas mãos tremiam no volante, como seus olhos estavam lacrimejantes e sua cabeça balançava em negação. Ela estava se culpando, eu sei que sim. Queria poder dizer alguma palavra de consolo, mas como meus movimentos, a minha fala também estava comprometida naquele momento.

Passamos três vezes pela mesma rua aleatória e eu percebi que ela estava tão perdida como eu. Diferente de mim, Rafa não se retraía e se voltava completamente pra dentro, ela era uma mulher de ação, que resolvia problemas, forjava soluções onde ninguém mais seria capaz. Ela não era artística ou delicada, ela era uma CEO, tomava decisões, agia, essa era a sua vida.

-- Aqui é melhor, certo? - percebi sua voz trêmula, mas segura. Olhei pra fora de mim novamente. Um tempo considerável deve ter passado, talvez uns 15 minutos que estive ausente dos acontecimentos enquanto pensava e me fechava, porque ao olhar para fora, havia o parque, não qualquer parque, o nosso parque. Ele ficava cerca de 20 minutos de carro da escola. Eu perdi as contas de quantas vezes fiz esse trajeto naquela época. Era um refúgio pra mim em anos difíceis. Definitivamente era um lugar bem melhor pra estar, principalmente com ela ao lado.

Rafa continuava me observando esperando por uma resposta. A pergunta ainda pairava no ar, mas eu não conseguia me expressar. Joguei a cabeça no encosto fechando fortemente os olhos e suspirei como se fosse possível tirar toda aquela sensação ruim que me invadiu ao ver os portões da nosso antigo colégio.

Sei que demorei mais do que o tempo suficiente pra qualquer outra pessoa no mundo se chatear. Eu sabia que ela estava ansiosa por qualquer coisa que eu pudesse dar, mas eu não podia priorizar suas vontades naquele momento, não se eu quisesse evitar uma crise de ansiedade, então eu só concordei que estava melhor quando consegui e ouvi como ela soltou o ar em claro alívio. Rafa conseguiu resolver mais um problema e eu não consegui evitar um pequeno sorriso por pensar como ela lidou bem com a situação.

Meus sentimentos por ela eram absurdamente controladores de mim. Minhas crises nos últimos anos aconteciam quase que iguais. Eu sentia uma hipersensibilidade visual e perceptiva. Meus olhos e ouvidos pareciam ganhar muito mais eficiência. Nada passava desapercebido por um tempo. Logo depois eu simplesmente me desconectava de tudo, como se eu me fechasse em algum lugar da minha cabeça por pura proteção. O seguinte passo dependia de muitos fatores, ou eu entrava em uma crise ou eu conseguia me acalmar e passar por aquilo sem grandes problemas. Nunca antes eu reagi com um aceno ou sorri tão rápido.

A Receita Perfeita [Ranu]Onde histórias criam vida. Descubra agora