Cidade nevada

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Millie se trancou no quarto para se arrumar. Trocou o pijama surrado pelas roupas do dia a dia, calçou meias e tênis All Star e em seguida vestiu seu querido casaquinho verde-escuro. Amarrou um coldre em sua coxa e guardou ali sua fiel pistola.

Saiu do quarto, foi ao banheiro. Jogou uma água ge­lada no rosto para espantar a preguiça. Aproveitou para ajeitar sua franja e prender seu longo e majestoso cabelo em um rabo de cavalo. Um cabelo bem invejável, por sinal. Todo mundo teria ciúmes, se pessoas ainda existissem.

Se pessoas normais ainda existissem.

Saiu do banheiro e logo viu Michel, seu parceiro de sobrevivência, que estava no sofá costurando uma região do braço bem apodrecida

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Saiu do banheiro e logo viu Michel, seu parceiro de sobrevivência, que estava no sofá costurando uma região do braço bem apodrecida. Millie desviou o olhar, pois achava meio nojento.

— Pronto, já acabei — ele disse, guardando a agulha e linha em uma caixa — Vamos.

Saíram do apartamento e entraram no velho elevador. Ao clicarem no botão térreo, o transporte deu sua habitual chacoalhada — como se fosse parar de funcionar — e começou a descer. A caixa de som tocava o mesmo smooth jazz distorcido de sempre.

O elevador descia lentamente, se sacudindo e fazendo sons de rangido o tempo todo, parecendo um carro numa ladeira esburacada. Mas não chegava a ser algo amedrontador. Depois de uns meses subindo e descendo aquela velharia é normal acabar se acostumando.

Estava uma atmosfera meio desconfortável ali dentro. Millie e Michael não sabiam se eles deviam bater um papo ou se deviam permanecer calados escutando a música enjoativa da caixa de som.

Aquilo sim era amedrontador: ficar muito tempo sem falar nada num ambiente fechado com outra pessoa.

— E aí, quais os planos pra hoje? — Michael tomou a iniciativa de uma conversa básica e chata.

— Encontrar comida e tentar não morrer. Você sabe, o de sempre — disse.

Michael se viu na obrigação de rir, mas a resposta dela não pareceu ter a intenção de ser algo engraçado.

— E, sei lá... fazer alguma coisinha diferente... — ela acrescentou, após alguns segundos de silêncio.

— Que tipo de coisa diferente? Assistir um Blu-ray? Procurar umas fitas cassete?

— Não... Tipo, dar uma agitada na rotina, sabe? Mu­dar a nossa vida pra melhor?

— Como assim "pra melhor"? — deu uma risada anasalada — A nossa vida já é perfeita! Nem parece que a gente tá num Apocalipse, já percebeu? Vivemos numa cidade tranquila, temos uma casa bacana, comida, água, não passamos por muitas emoções à flor da pele...

Millie não ficou tão satisfeita com a resposta.

— E você tem a mim! Que é obviamente muito mais importante que as outras coisas — ele adicionou — Imagina o que seria de você sem mim?

Após o ApocalipseOnde histórias criam vida. Descubra agora