Capítulo 52

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Duas semanas. Esse é o tempo exato em que estou isolada do mundo.

Há quatorze dias permaneço trancada em meu quarto. Cortinas fechadas; abajur desligado; cama desfeita; cabelo sujo; celular descarregado; e uma bíblia fechada em minha mesa de cabeceira. Todas as unhas já foram roídas, e nenhuma lágrima para rolar.

Quando pedi ao Oliver para que ficasse com nossa filha, tinha certeza de que após alguns dias digerindo as informações e analisando os fatos de forma racional, conseguiria voltar com minha rotina, como há algumas semanas. Pelo menos em partes. No entanto, isso foi antes de desfazer as minhas malas e encontrar o diário de Margaret Clarke.

Até agora não consigo entender o porquê de Abigail ter colocado aquele objeto no meio das minhas coisas. Também não entendo o porquê de eu ter aberto aquele maldito diário. Só tornou todo esse novo drama ainda mais real e doloroso. Sim, Margaret Clarke era minha mãe e, no fim das contas, estava perdidamente apaixonada pelo senhor Charles, o meu verdadeiro pai. Mas isso já não é mais novidade.

A verdadeira questão é que, segundo os relatos da minha mãe biológica, os pais do senhor Charles, meus avós paternos, um pouco antes do término de ambos, ameaçaram mata-la, caso Margaret não se afastasse de seu filho de vez. Com um medo real e fundamentado, ela rompeu. Mamãe não entrou em muitos detalhes sobre tal fundamento, porém, a cada leitura que fazia, era quase palpável sentir o seu medo.

Entretanto, o que realmente me deixou mal foram os relatos ao descobrir sobre a gravidez, e a depressão que tomou conta dela sem que ninguém notasse. Margaret me amou intensamente, desde o primeiro momento. Ela sonhava com o dia em que me teria em seus braços; ouviria o meu chorinho; contemplaria o meu sorriso; e uma das coisas que ela mais desejava: descobrir com quem eu iria parecer. Em seu íntimo, ela desejava que eu fosse uma cópia exata do meu pai. Mas ao ver uma fotografia antiga dos dois juntos, soube na mesma hora com quem eu mais parecia.

Não que eu seja a cópia fiel da minha mãe, mas os meus olhos e cabelos são idênticos aos seus. De resto, pareço ser uma boa mistura. Mas ela nunca soube e jamais saberá...

A dor dilacerante volta a cortar o meu coração em mil pedaços, e tudo o que consigo fazer, como nos últimos dias, é dobrar minhas pernas na altura do peito, enterrar a cabeça em um travesseiro e gritar. Um grito abafado, mas gutural. Tudo o que mais quero é me erguer, sair desta cama e tomar um banho. Refrescar a cabeça e tentar pensara em outras coisas. Mas eu consigo sentir as correntes me aprisionando. Consigo sentir como se tivesse um grande e terrível fardo em minhas costas.

Tento clamar, mas como das outras vezes, minha voz parece desaparecer em meu interior. Pelo menos o grito é real. A única coisa audível que conseguirá subir ao trono, renovando minha certeza de que Ele ainda virá ao meu socorro.

Ouço um barulho conhecido por mim vindo do corredor. Fecho os olhos com força e mordo o interior da minha bochecha. Ele não pode me ver dessa forma. Ele não pode ouvir o meu grito de dor. Já basta o sofrimento que tenho causado.

- Alice, meu amor...

Ouvir sua voz é a melhor parte do meu dia. No mesmo instante, a sensação das correntes prendendo os meus pés é aliviada, e eu consigo me colocar de pé. Um pouco sem força, caminho devagar até a porta, onde me encosto e escuto sua voz.

Todos os dias, desde a volta de Cambridge, e meu suposto isolamento, Oliver tem vindo me visitar, pelo menos uma vez ao dia. Ele tem tentado fazer de tudo para cumprir sua palavra de que não me deixaria sozinha. Nos primeiros dias ele pareceu compreender a minha vontade de ficar trancada no quarto, e respeitou. Mas quando os dias foram passando, e quando ele foi descobrindo minha real situação através de Thony, começou a se preocupar.

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