Capítulo 6 - Azriel

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Odeio esse sentimento de imponência. Me sinto como um refém, mas tenho que me lembrar que fui eu mesmo que me coloquei nessa situação só por querer esfriar a cabeça e não esmurrar aquele rosto perfeitinho do Rhys. Péssima decisão. Se eu tivesse cedido ao meu temperamento, agora poderia estar em casa, levando um sermão da Mor enquanto ela cuidaria dos meus machucados e Cas riria de mim.

Ao invés disso, estou sentado em uma cama pequena em um quarto pequeno embaixo da escada de uma desconhecida nas Terras Humanas. Agora, eu observava em silêncio Lizzie refazer os curativos nos meus braços, que ainda não tinham cicatrizado, ao mesmo tempo que tinha que controlar o meu pau dentro das minhas calças para não dar nenhuma brecha que eu estava duro por ela. Aquele cheiro de lírios me deixava maluco.

Tenho certeza que se Rhys tivesse uma versão feminina, seria a Lizzie, de tão perfeita. Apesar dela ser humana, ela me tentava. Seus dedos macios passavam pelos meus músculo, ajeitando as faixas nos lugares corretos. Então, ela se levantou da cadeira, se sentando num pequeno espaço do colchão ao meu lado, analisando um dos curativos que ficava no meu peito. Lizzie parecia querer brincar comigo do jeito que ela analisava se as outras cicatrizes ainda estavam sensíveis.

- Sente alguma dor aqui? - ela acariciou com a ponta do dedo a minha pele em volta do machucado, fazendo um arrepio passar pela a minha espinha e se dissipar no meio das minhas pernas. Merda.

- Não - digo, mantendo o tom de voz sério.

Assim que ela termina tudo, ela ajeita o curativo no lugar e se levanta, voltando-se a se sentar na cadeira. Havia uma única vela iluminando o pequeno cômodo que me fazia suar, já que estava apoiada ao lado da mesinha a minha direita. A humana pegou o pano seco em cima da cabeceira e se levanta novamente, secando a minha testa molhada de suor com delicadeza. As minhas sombras pareciam extremamente vivas, se enroscando em seus braços finos e brincando com seus cabelos. Poucas coisas poderiam me impedir de agarrá-la pela a cintura fina e sentá-la no meu colo.

De repente, soam algumas batidas na porta da frente a assustado. Quem poderia ser? Minha mão desceu, discretamente, direto para o cabo da Reveladora da Verdade. Uma visita inesperada sempre seria motivo de preocupação da minha parte. Não sei como, mas Lizzie viu o meu movimento lento.

- Pode parar - ela apontou para a minha mão, irritada - Deve ser só mais um paciente, não quero que saia desse quarto.

Me mantive quieto, enquanto ela saiu, deixando a porta aberta por uma fresta. Silenciosamente, me levantei e fiquei parado contra a parede, onde a pequena mesa de madeira estava apoiada, com a minha adaga em mãos. Escuto a porta da frente se abrir e pés leves e apressados correrem para dentro da casa.

- Lizzie! - era a voz de uma menina pequena, transbordando felicidade.

- Honey? - a humana parece surpresa, então outra voz entra na conversa.

- Bom dia, senhorita Elizabeth - era um homem velho, tenho certeza pelo o tom de voz grave e gentil - A Madame me mandou avisá-la que foi requisitada de última hora para uma reunião das Colônias, por isso não poderia tomar conta da senhorita Honey. A minha Senhora lamentou profundamente a inconveniência e mandou uma caixa de chocolates como consolação.

- E quando ela vai voltar, Lúcius? - Lizzie perguntou, preocupada.

- Até onde sei, durará uma semana e a mansão estará cheia de representantes e... - Lúcius parou de falar, tentando esconder alguma palavra - E meretrizes.

Prostitutas. Ele deve ter tentado achar uma palavra mais complicada para que a criança não entendesse.

- Muito obrigada, Lúcius. Que a Mãe lhe abençoe - Lizzie desejou ao senhor

- Que ela as ilumine, senhoritas - então ele foi embora e a porta foi fechada.

- Sentiu a minha falta? - Honey perguntou. Pela voz, ela deveria ter entre cinco ou seis anos.

- Claro que senti, quem mais iria me ajudar no jardim?

- Não... - a garota reclamou, porém Lizzie apenas riu.

Passos se aproximaram da porta e eu ergui a minha adaga, esperando para colocar medo na criança para que ela se afastasse. No entanto, quem abriu a porta foi a curandeira, que em um primeiro momento foi pega de surpresa, porém abriu um sorriso confuso.

- Eu deveria ter escondido essa coisa de você - ela disse, bem humorada. Ao mesmo tempo em que guardei a Reveladora da Verdade na bainha presa ao cinto da minha calça - Não me diga que o grandalhão está com medo de uma menininha?

- Isso é apenas precaução - expliquei, cruzando os braços, sério.

- Tudo bem então, se é assim que na sua língua isso significa - ela brincou, se apoiando contra o batente da porta com elegância.

- É a sua filha? - perguntei, tentando obter uma confirmação.

- Não - seus ombros ficaram tensos e a sua resposta foi imediata, sem nenhum tipo de brincadeira - É a minha irmã. Quer conhecê-la?

- Por que?

- Imagino que vivendo aqui pelo o tempo que consiga se recuperar completamente, seja inevitável que não vão se esbarrar - ela me explicou - Fora que eu não quero que ela me acorde durante a noite dizendo que tem um monstro gigante vivendo embaixo da escada.

- Ela não vai contar para ninguém que estou aqui, não é? - perguntei, tentando ter certeza. Não sou muito fã de crianças, mas sempre pensei em ter as minhas. Eu nunca admitiria, mas estou receoso com a ideia de conhecer uma menina humana que não vai jogar ovos em mim ou sair correndo.

- Não, e acredite, ela não é preconceituosa como a maioria dos humanos - Lizzie me afirmou. Então, assenti. Não deve doer tanto.

A curandeira humana caminhou para fora da divisa do cômodo com a sala e eu a segui, hesitante. Assim que saí do quarto escuro, a primeira coisa que notei foi que a janela ao lado da porta mostrava neve caindo e muita luz entrando, enquanto a porta de vidro perto da cozinha apresentava uma realidade oposta, com grama e flores do lado de fora. Que estranho.

Sentada no sofá, uma menina pequena, com cabelos castanhos escuros e olhos da mesma cor estava enrolada em um cobertor vermelho, tentando se aquecer do frio. Tudo estava coberto, tirando suas mãos pálidas, parecidas com a da irmã, que escrevia alguma coisa em um caderno de couro marrom com um pedaço de carvão. Seus pequenos olhos se ergueram para nós dois, sem apresentar espanto, apenas confusão.

- Honey, esse é o Azriel. Ele vai ficar aqui um tempo conosco - Lizzie explicou, enquanto eu me mantive de braços cruzados.

- Você é grande - ela me disse, com um sorriso largo - e pesado.

Espera. Que? Agora eu que estava confuso. Olhei para Lizzie que estava corada e completamente envergonhada.

- Nós duas te achamos quando você caiu e te arrastamos até aqui - ela me explicou, se voltando para a irmã - Muito bem, mocinha. É melhor ir fazer esses seus desenhos lá em cima ou lá fora. O que você escolhe?

- Posso levar os chocolates? - ela apontou para uma caixa retângular em cima da mesinha de centro.

- Unh...Não - Lizzie disse.

Então, ainda enrolada no cobertor e com as mãos ocupadas pelo o carvão e o caderno, Honey subiu as escadas com preguiça até um dos quartos do segundo andar, que tinha uma pequena placa de madeira, decorada com desenhos de abelhas e o seu nome, presa a porta. No momento em que ela colocou a mão na maçaneta, a menina se voltou para nós e disse, antes de entrar no seu quarto:

- Foi um prazer, Azriel.

Assim que a porta se fechou, encarei Lizzie, que estava sentada no sofá, no lugar da irmã, com os pés descalços em cima da mesinha de centro e a caixa de bombos aberta sob seu colo. Ela me encarou, dando dois tapinhas em um espaço grande do sofá ao seu lado, indicando que eu me sentasse. É melhor ficar aqui do que aquele quarto. Lizzie me estendeu a caixa, indicando que eu pudesse pegar um dos chocolates, mas neguei. Não estava com fome, apenas cheio daquilo.

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