Capítulo 9 - Lizzie

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Tem vezes que quero apenas passar o dia inteiro dormindo na minha cama e me esquecer das minhas responsabilidades de guardiã ou curandeira. Quando eu era criança, me lembro da mamãe atendendo os seus clientes que vinham de várias colônias em busca de cura ou conselhos. Ela era conhecida como "A Filha da Grande Deusa Mãe" ou "Aquela que Sabe de Tudo" por causa dos seus poderes hereditários.

A primeira feérica que se tem registro da minha família nas Terras Humanas, vem de muito antes de existir a Muralha. Seu nome era Núria, se não me engano, e até onde eu sei ela fugiu dos assassinos do seu marido ainda grávida em um barco que veio para essas terras que na época eram sem jurisdição alguma. Assim, os nossos poderes passaram de geração para geração, assim como os olhos extremamente azuis, que nunca gostei muito.

Apesar do seu título de nobreza, que até agora não faço ideia de qual seja, e dos seus poderes extraordinários, ela foi bem recebida pelos moradores do que se tornaria a Colônia das Flores, por que desde a sua chegada, tudo que era plantado naquele solo florescia. Além disso, ela também recebeu um novo sobrenome e uma nova vida para proteger o filho. Contudo, com o meu pai, tudo foi bem diferente.

Pelo o que ele me contou, a mãe verdadeira dele era uma sacerdotisa que participou de uma celebração em uma das cortes chamada Calanmai, onde engravidou dele. Ainda segundo ele, meu pai ficou dois anos com a sua gestora (o que ele me contou dela não foi nada legal), até ela o colocar para a adoção. Depois disso, ele foi adotado por uma família de duques humanos, apesar de ser um feérico puro, carregando esse título nobre e o sobrenome Jones.

Não conheci os meus avós paternos, já que quando o meu pai conheceu a minha mãe, ele tinha oitocentos e vinte quatro anos e ela duzentos e poucos. Eles se conheceram quando o meu amado pai foi contratado pela Madame para ser a guarda da nossa Colônia, pois, depois da morte dos pais, ele se juntou a um grupo de feéricos "cavaleiros", que se intitulavam de Caçadores. Pela quantidade de vezes que os dois me contaram essa história, praticamente decorei o que falavam. "Foi amor a primeira vista", eles diziam ao mesmo tempo. Sinto falta dessa época.

Então, escuto pezinhos leves correndo pela a madeira e abrindo a porta com vontade. Abro um sorriso discreto, permanecendo na minha posição fetal com o cobertor enrolado no meu corpo. Honey pula no colchão e engatinha para cima de mim, me sacudindo como se eu fosse uma almofada molenga.

- Anda logo! Vamos nos atrasar! Vamos, Lizzie! - ela gritava, com as pequenas mãozinhas agarrando meus braços. Lentamente, abro os olhos e a encaro, a jogando para o outro lado da minha cama. Ela soltou um gritinho misturado com uma risada, quando aterrissou no colchão - Vamos, Lizzie! São quase oito horas! - ela me avisa.

- Já entendi. Não dá para você faltar a escola para sempre? - pergunto, a fazendo abrir uma carranca e esconder o sorriso que lutava para aparecer - Tô brincado, vai descendo.

Só agora notei que ela já estava vestida, com o seu vestido cor-de-rosa claro com flores bordadas e as suas sapatilhas da mesma cor. Aquilo foi caro, mas fiquei tão feliz por ela ter gostado tanto que poderia dar todo o meu dinheiro para vê-la com aquele sorrisinho o dia inteiro. Por falar em vestido, tenho que remendar a minha saia por causa do rasgo que se abriu esses dias quando fui podar a minha macieira. Que droga.

Honey saiu correndo com velocidade para fora do meu quarto e indo em direção ao seu, segurando a sua faixa que mantinha a sua franja no lugar. Respirei fundo e me levantei em um impulso para fora da cama, ajeitando a minha camisola que ia até os tornozelos, com as mangas nos cotovelos. Caminho em direção ao meu armário velho e vejo que só tenho três opções de roupas que poderia usar hoje: um vestido cinza remendado, o marrom e azul claro. Sem hesitar, pego o cinza e o visto por partes.

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