Cap 4.

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LENNON.

Tá ligado quando tu sente toda a culpa do mundo? Então, ai que tudo fode.
Acho que nem quando matei a primeira vez alguém, eu senti tanto peso em cima.

É complicado pra caralho lidar com uma merda dessas de novo. Sentir que você traiu alguém que pularia na frente de uma bala por você é foda.

Conheci o Filipe molequinho, no primário praticamente, o tempo foi passando e a amizade cada vez mais forte. Quando Magno começou a colocar a pressão nele sobre o morro, ainda éramos adolescentes, Filipe foi me apresentando o que conhecia e quando vi, tava lá, aprendendo tudo. Quando o padrinho faleceu, Filipe subiu e eu subi junto. Dono e sub dono. Foi uma treta do caralho até montar toda essa segurança, aprender a negociar como ele conseguia, manter os aliados, aprender a lucrar de verdade dentro da comunidade e todas as outras paradas.

O único momento em que tive vontade de fazer algo contra ele foi no dia em que tive a infeliz visão de um beijo dele e da minha irmã, atrás da porta enquanto eu descia pra buscar uma seda no outro andar.
Minha irmã sempre foi aquela que não podia ser tocada, era um pouco mais nova, mas era a protegida até porque ela não era muito amigável com os moleques daqui. E aí ela me inventou de ser mais do que amigável com a porra do Ret.
A parada foi sinistra no dia, lembro do sangue pulsando e eu querendo quebrar a cara dele. Ela gritando no meio, enquanto Victor ria num canto e minha mãe gritava pra que fossemos brigar lá fora.

O pressentimento de que a merda ia rolar ali era grande. Laura sonhava em ser médica desde que se conhecia por gente, estudava pra caralho, fazia cursinho pro vestibular e se dedicava ao máximo. Era toda certinha, discutia comigo diversas vezes sobre a vida que andava levando como se fosse possível levar uma diferente. Ret desde então só teve o crime que compensasse toda a vida fodida que teve. Completamente diferente dela.

Respirei fundo ao tentar sair dos meus pensamentos mais profundos e voltei a contabilizar o que precisava.

- Acho que ele viu ela. - Victor falou baixo ao jogar mais uma mala sobre a mesa - Namoral, eu que dei o vacilo. - Balancei a minha cabeça de um jeito negativo. Não acredito nisso.

- E porque tu me fala essa porra só agora? - Desviei meu olhar pro Ret que estava sentado em volta da mesa que ficava a alguns metros de onde estávamos. - Esse filho da puta vai acabar conquistando uma overdose de um dia pro outro.

- Porque eu achei que ele não estivesse lá, porra. - Ele não subiu com ela no camarote. Não mesmo.

- Não me diz que tu fez o que eu tô pensando. - Esfreguei meu rosto com as mãos. O tanto de maconha que esse moleque usa tá corroendo a mente dele.

- Ela queria jogar um copo de kit na cara do índio. Ele tava prontinho pra apontar pra testa dela. - Permanecemos falando tudo em um tom baixo com o olhar sempre sobre a mesa do maluco. - Queria que ele achasse ela com um tiro na testa?

- Queria que ele não tivesse nem achado. - Minha mão coçou e não obtive o controle para não bater no pescoço de Victor. - Você é a porra do moleque mais burro que eu já conheci, namoral.

- Foi mal, caralho. - Disse levando a mão ao local onde havia batido fazendo com que Ret nos encarasse por alguns segundos. Os olhos estalados como se tivesse levado um choque acompanho das olheiras e da expressão de ódio. 

- Qual foi? - Pela primeira vez no dia, ele conseguiu dirigir alguma palavra a mim. Eu não julgo, pô. Se eu fosse ele, eu também me mataria.

- Nada, Victor que deu uma errada na segunda contagem. - Victor olhou pro mesmo com uma cara que entregava tudo. Eu juro que um dia eu ainda quebro esse moleque no meio. Sem sacanagem.

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