Saber lidar com problemas emocionais é algo árduo, e raramente é uma situação que podemos resolver sozinhos.
16/02/2023Risadas infantis podiam ser ouvidas por toda a mansão. Alegres e contagiantes. Os gêmeos, como perfeitos irmãos mais velhos, estavam vigiando o irmão, Paul, de 3 anos. Tudo parecia perfeito até o momento onde deixou de ser. As risadas se transformaram em choros desesperados. As brincadeiras se perderam em meio a poça de sangue que se espalharam pelo chão da sala de brinquedos. A felicidade foi substituída pela culpa e o amor pelo luto.
O que aconteceu naquela sala era demais para as duas crianças loiras. Foi um acidente. Um acidente que assombraria Elena Benson pelo resto da vida. Naquele momento, os gritos do pai, o olhar vazio da mãe e o irmão paralisado de choque eram ignorados por ela. Estava sendo atormentada pela própria mente que repetia a mesma cena mórbida, incontáveis vezes sem pausa. Naquele momento tudo mudou para os gêmeos Benson, e Elena nunca se perdoaria por isso.-Elena, está me ouvindo? - perguntou Kaleb visivelmente preocupado com a irmã, que revivia o grande trauma de suas vidas na própria mente.
A menina não respondeu. Em vez disso, caminhou em direção a uma das portas no final do corredor. A do lado direito. A que tinha diversos animais e balões coloridos desenhados na madeira. A porta ficou fechada desde aquele dia. O dia em que o irmão decidiu que precisava crescer e cuidar dela. O dia em que o pai deixou de amá-la. O dia em que ela prometeu que sempre tentaria manter as pessoas felizes. O dia em que ela ensaiou sorrisos no espelho e tentou desesperadamente parecer bem. E ela fez isso muito bem. Esconder. Fingir que tudo estava bem. Que ela estava feliz.Parada na frente da porta, com a mão sobre a maçaneta e lágrimas ameaçando cair de seus olhos ela engoliu o choro e botou o melhor sorriso no rosto antes de se virar para o irmão.
- Estou bem. Não se preocupe. Precisa de algo?
- Nossa mãe quer falar com você- respondeu, desconfiado do sorriso gentil uma vez que ele sabia o quão boa sua irmã era em parecer estar bem- Tem certeza de que está bem?
- Absoluta. Vou ver o que a mamãe quer.Kaleb observou a irmã se afastando e virando o corredor com uma preocupação silenciosa. Ele estava ciente de que a nova moradora da casa não tinha intenção alguma de magoar a irmã. Mas mesmo assim, ele nunca conseguiria ficar quieto ou parado enquanto via a gêmea sofrer, afinal, ele prometeu a si mesmo que sempre seria o seu protetor.
Com um último olhar para a porta colorida, o loiro saiu do corredor indo em direção ao escritório do pai onde já era esperado pelo progenitor e seus… sócios.—»—»//«—«—
O cheiro de gasolina. A claridade das chamas. O “bip” das máquinas do hospital. O barulho das sirenes. O estrondo da explosão. Os gritos do pai. A mãe com o pescoço quebrado.
Um misto de emoções e uma mistura de informações que não conseguiam ser distinguidas com clareza, mas aqueles olhos… os olhos verdes brilhando de remorso, a encarando por entre as árvores, no meio das multidões, a chamando dentro da própria cabeça. Ele chegava perto, andando no meio das pessoas até desaparecer entre elas e reaparecer por trás.
- Você precisa saber a verdade, NikkoSilêncio
Era o que reinava no quarto. Novamente os olhos do seu carrasco estavam em todo lugar. A sensação de ser observada quando estava sozinha. Tudo voltando como uma avalanche, deixando a ruiva em um misto de medo e pânico.
Seu coração batia de forma tão descompassada e rápida que a jovem precisou de um longo momento para acalmar a respiração e, por conseguinte, os próprios batimentos. Quando isso ocorreu a menina observou o relógio de parede e se assustou quando percebeu que estava 16 minutos e 24 segundos atrasada para a hora do almoço.
Rapidamente, Nikko estava virando os corredores e descendo as escadas tentando chegar até a sala de jantar o mais rápido que conseguia ficando, novamente, ofegante e com os batimentos descompassados.
Ao chegar na porta da sala, ela parou rapidamente, respirou fundo e tentou não transparecer o quanto estava assustada e amedrontada. A jovem de cabelos cor de sangue abriu a porta, encontrando os quatro integrantes da família Benson sentados. Elena estava com um sorriso mínimo na direção da recém-chegada, mas sua expressão denunciava que ela estava um tanto quanto agitada. Kaleb estava com sua costumeira cara fechada, que seria idêntica a face do pai se esse não tivesse um ódio disfarçado no olhar direcionado a Nikko. Olivia sequer olhou na direção da porta, estava mais focada em girar o dedo indicador na borda do copo em sua frente.— Está atrasada! Deveria pensar que isso é algum tipo de afronta ou que Elena foi imprestável ao ponto de te indicar o horário incorreto das refeições?!- a pergunta, claramente retórica e com uma pitada de deboche, mas com toda a certeza do mundo a raiva estava presente em sua fala. - o que você está esperando? Senta logo!
Nikko não tardou em obedecer a ordem que recebeu, se sentando no mesmo lugar que ocupou naquela manhã.
O silêncio foi o segundo convidado na casa da família Benson. Todos se alimentaram em um silêncio mórbido. Até mesmo os talheres raspando nos pratos faziam barulhos quase inaudíveis de tão baixos.
Após certo tempo, Lucas terminou sua refeição, se levantando de forma rápida e elegante, antes de se dirigir à menina ruiva.-Vamos, tenho que levar você para resolver uma papelada sobre a sua guarda. - Era mentira! E ela sabia disso. Ela também sabia que era melhor obedecer, fazer o que ele queria, do jeito que ele queria.
Não demorou muito para que ela deixasse o prato pela metade e se levantasse, murmurando algo em concordância.—Querido, não seja tão apressado. A menina ainda nem terminou de comer!- comentou Olivia, olhando para o marido que lhe lançou um olhar cheio de ternura, mas que logo se tornou sério novamente ao se virar para a jovem.
—Eu não tinha notado, mi amor. Nikko, termine de comer antes de irmos- a falsa calmaria na voz dele, com certeza, enganaria qualquer pessoa que não soubesse da realidade da situação. Era óbvio que ele não se importava se ela tinha ou não acabado de comer.
- Na verdade, eu estou meio sem fome.- respondeu baixo, e com a cabeça baixa. Ela esperava que tivesse sido convincente o bastante.
- Então tudo bem. - dito isso Lucas foi em direção a porta e a jovem logo se colocou atrás dele. Estavam prestes a sair pela porta quando a matriarca tornou a falar- Não está esquecendo de nada, mi amor?
O homem, pareceu chateado, talvez pela interrupção ou pelo o que foi esquecido. Nikko logo pensou que a segunda opção era a mais plausível quando viu Lucas colocar um olhar apaixonado e verdadeiro na face e andar em direção a esposa, lhe dando um beijo terno nos lábios e um rápido selar na testa em seguida.- Perdão, mi amor. Te vejo mais tarde- disse ao pegar a mão da mulher e deixar um beijo. Logo ele voltou para a porta e saiu, seguindo para a garagem e entrando no mesmo carro em que chegara com a menina no dia anterior.
- Para a empresa!- informou ao motorista que não tardou a ligar o carro e partir na direção indicada.
Para Nikko era estranho ver como uma pessoa como Lucas Benson, que tecnicamente a havia sequestrado e ameaçado, pudesse ser tão genuinamente carinhoso com a esposa e quase que indiferente com a filha, ao mesmo tempo que era direto e minimamente orgulhoso do filho.
Com toda a certeza, os Benson tinham uma relação familiar intrigante, e a menina dos olhos violetas não sabia ao certo se queria entender como essa relação funcionava, ou se deveria ignorar isso e focar em sobreviver naquele lugar até ter a chance de escapar.Talvez, em breve ela descubra que ela não poderia conseguir um sem entender o outro.
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A realidade de um sonho
Mystery / ThrillerUma jovem órfã, assombrada pelo próprio passado, é vendida pelos tios para o dono de uma grande empresa. Lucas Benson, que não é um exemplo de bom pai ou marido, enxerga nossa jovem Nikko apenas como um meio para atingir seus objetivos se aproveitan...