Capítulo 3

8 2 0
                                    

O som de sirenes podiam ser ouvidos por qualquer pessoa mesmo que estivesse longe, mas a criança na maca da ambulância, de onde o som saia, a ouvia como se estivesse a quilômetros e mais quilômetros de distância. O barulho era quase inexistente e as vozes dos paramédicos, que tentavam detectar se o pequeno ser deitado a frente deles tinha algum ferimento mais grave do que os já detectados, eram como sussurros inteligíveis para Nikko. O baque da batida do carro e o estrondo da explosão logo em seguida eram as únicas coisas que a garota ouvia mesmo que ambos já tivessem acabado. Ela não se lembrava de quanto tempo tinha ficado deitada na estrada, apenas observando, enquanto o carro pegava fogo junto com os corpos dos pais já mortos. Incapaz de se mover. Desorientada demais para notar os paramédicos chegando perto. Ela ouvia sem ouvir, enxergava sem ver. Ela estava fora do ar. Talvez por conta da cena que havia presenciado, ou talvez essa fosse apenas a forma que a mente perturbada da jovem encontrou para que ela digerisse os acontecimentos recentes. Novamente ela se encontrava com olhos fechando sem sua permissão no trajeto até o hospital, seu cérebro a fazendo reviver o que seria o primeiro de muitos traumas da sua vida. O pneu do carro sendo furado. O carro batendo. Os gritos desesperados do pai a mandando sair. E por fim o grande estrondo acompanhado das chamas, consumindo o veículo com o cheiro de morte. Ma por um segundo, um mísero segundo, ela viu. Viu um homem ao longe, que olhava pra ela com os olhos verdes cheios de arrependimento e a arma do crime nas mãos. Ele veio em sua direção até que…

O grito de Nikko preencheu o quarto rapidamente. Fora curto e alto, mas não o suficiente para incomodar os outros moradores da mansão. O medo estava estampado na face delicada e chorosa. Os olhos estavam vermelhos pelo choro silencioso e as bochechas banhadas por lágrimas salgadas. Essa era apenas mais uma das noites mal dormidas na vida da jovem.
Esse era seu pesadelo mais comum. O dia da morte de seus pais. O dia em que a vida dela virou um caos. Os olhos do responsável tão claros quanto o dia em sua cabeça. Ela tentou. Céus como ela tentou. Tentou mostrar o rosto do monstro que tirou as pessoas que ela mais amava dela, mas ninguém deu a mínima.

“foi um acidente”
“nenhuma pessoa fez isso”
“seu pai só perdeu o controle do carro”

Eram as frases que ela ouvia quando tentava mostrar o desenho do culpado. A polícia disse que não havia tido um responsável. Que aquela pessoa não existia em nenhum registro. Os médicos diziam que era uma forma de passar pelo luto, criar um culpado para algo que não podia ser controlado. Alguém imaginário para descontar a frustração. Mas ela sabia que estavam errados. Ela já tinha visto o homem mais vezes depois daquele dia. A observando de longe. Afastado demais para que alguém reparasse. Perto o suficiente para fazê-la temer por sua vida. Nas primeiras vezes em que reparou no homem, ela podia jurar que havia arrependimento e culpa em seus olhos, mas à medida em que a frequência de suas aparições diminuía, ela percebia. Ela percebia que ele era um assassino, com um remorso momentâneo talvez, mas era só isso. Efêmero. Algo que passaria em algumas semanas para ele. Mas isso assombrava a jovem, que agora lavava o rosto numa tentativa de afastar os pensamentos ruins.
Mais uma vez, ela estava absorta demais com os próprios pensamentos para notar a porta sendo destrancada e aberta. Totalmente distraída para ouvir o som dos passos pesados do homem que a deixou no quarto na última noite.
- Desça! O Sr. Benson quer falar com você.- esbravejou o homem se irritando ainda mais quando tudo o que a jovem fez foi olhar para ele assustada- Não me ouviu?! Ande logo, garota!
Com certa relutância, Nikko seguiu o homem pelos corredores da mansão até o que parecia ser um escritório. O cômodo era pintado e decorado com cores escuras, tinha algo naquele lugar que deixava a ruiva apavorada.
- Obrigado, Jonas! Deixe-nos sozinhos agora!- disse Lucas Benson, em um tom frio e seco. Jonas logo saiu sem dizer uma só palavra, fechando a porta do escritório- Preste atenção pois só vou dizer uma vez! Você vai viver nessa casa, com a minha família, e não vai dizer nenhuma palavra sobre meu acordo com seus tios ou o real motivo de estar aqui. Como eu expliquei ontem, para qualquer um que pergunte você é a filha de um antigo amigo e só. Se me desobedecer, tentar fugir ou contar para alguém eu juro que as consequências não serão agradáveis para você, entendeu?- O tom de ameaça era facilmente notado na voz grave do homem. Seu olhar sério e frio só fazia com que a menina ficasse mais amedrontada ainda, fazendo com que ela rapidamente concordasse com a cabeça, abaixando seu olhar para o chão logo em seguida.- Ótimo. Vou apresentá-la à minha família.

A realidade de um sonhoOnde histórias criam vida. Descubra agora