Capítulo 1

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Daqui de cima a vida parece ser tão tranquila.

Finalmente consigo escutar o silêncio que há tempos eu era impedida, há tempos que minha mente não me deixa em paz, mas aqui e agora, ela está quieta e eu posso simplesmente escutar o ar entrar em meus pulmões e sentir o coração bater cada vez mais devagar.

Talvez a morte seja serena.

Fecho meus olhos grandes e castanhos para poder sentir mais as emoções e sou tomada por um raio de flashback, como se um filme passasse pelos meus olhos antes de partir. Sempre escutei essa teoria de que quando vamos morrer nossa vida passa por nossos olhos e assim descansamos em paz.

E lá estava em minha memória: minha mãe tão doce me abraçou tão forte, tão forte e em seguida disse "eu te amo meu bebê", para uma criança de dez anos, eu me lembro muito bem desse dia, de olhar em sua pele queimada do sol, do seu rosto sereno e dos seus olhos pequenos e castanhos. Em seguida ela disse que nossa vida iria mudar para melhor e me deu o abraço mais verdadeiro de todos, eu costumava a chamá-lo de "abraço casa". (é aquele abraço em que você se sente em casa de tão acolhido que é).

Parece que daqui de cima os barulhos dos carros, os gritos de desespero das pessoas, o vai e vem dos apressados, a pressão em busca da perfeição, tudo fica mudo. Não consigo escutar mais nada a não ser as ondas do mar.

"Será que a morte é tão tranquila assim?"- penso aliviada.

Dou mais um passo para frente naquela colina, os dedos dos meus pés ficam bem rentes a beirada, solto meu vestido branco e ele balança no ar conforme o vento bate. Aqui ainda está escuro aqui, o sol não nasceu, mas consigo enxergar a espuma branca das ondas se quebrar nas rochas pontudas logo ali embaixo.

Nesses últimos meses eu estive pensando muito em como fazer isso e em qual lugar, pois não queria que minha mãe me encontrasse, ela nunca se perdoaria por isso, então optei por algum lugar em que um desconhecido me encontrasse, ou quem sabe ninguém.

Decidi que o alto da colina de frente para o mar era o melhor lugar para isso. Nesse momento sinto a leve maresia, que é a junção da água salgada com o vento, vir ao encontro de meu corpo. O sinto ficar todo mole, sonolento, pode ser pelo meu medo de altura que nunca neguei ter, mas também é a sensação de despedida que o deixa assim, a dúvida do momento seguinte, mas eu o sinto se desligar pouco a pouco.

Estou em paz comigo e com minha decisão.

Ouço as batidas do meu coração, num ritmo que só ele entende, ao mesmo tempo que rápido ele está devagar.

Eu quero fazer isso. E eu vou fazer.

São várias as sensações, pois elas vão de um extremo ao outro, tudo ao redor está em silêncio, mas no meu interior tudo está gritando, talvez seja isso, na verdade a morte não é serena nem cruel, ela é o misto de sensações, já que é naquele momento em que você quer por um ponto final na história, mas você também tem a ânsia de escrever só mais uma linha. Irônico.

Eu queria escrever um final feliz para minha história, no qual eu me casaria com um rapaz bom e trabalhador, nós teríamos muitos filhos, nos amaríamos e viveríamos juntos até o fim. Mas, infelizmente alguns finais não podem ser felizes, alguns finais são necessários e eu cansei de viver o "necessário".

Nem sempre aquele que decide colocar um ponto final na história é o covarde, às vezes ele só quer acabar com ela, pois já está cansado de escrever repetidas vezes a mesma coisa, então ele decide tentar começar a escrever outra história, é comum muitos escritores fazerem isso, terminam algumas páginas e partem para outra, tudo de novo, desde o começo num papel branco.

O LEÃO QUE ME SALVOUOnde histórias criam vida. Descubra agora