Bebê abandonado no estacionamento

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Já no primeiro mês após retornarmos da lua de mel, ficou claro que seria inviável sustentar o gerenciamento da escolinha à distância. Quando estava em São Paulo, as coisas desandavam, e o pior eram as crescentes ressalvas de Vagner com minha ausência durante a semana. Assim, comecei a considerar a possibilidade de iniciar um conservatório em São Paulo. Visitei alguns imóveis na zona sul e fiquei particularmente encantada com um sobrado próximo a uma movimentada avenida. Vagner insistiu que me ajudaria com os custos e acho que preferia ter que desembolsar qualquer dinheiro a continuar suportando minhas viagens para o interior.

Sucintamente, naquela época estive a beira de uma exaustão. Além de cuidar da inauguração da Dó-Ré-Mi em São Paulo tivemos apenas quarenta dias para finalizar as obras no apartamento do Ibirapuera. Isso sendo pouco, vivenciamos um pesadelo após o nascimento do meu sobrinho.

Kaio nasceu por volta das oito da noite, dois dias após a mudança para o apartamento. Recebi a ligação da minha mãe aos prantos noticiando a chegada do netinho, esperei o dia amanhecer e fui voando para Campinas, colecionando algumas multas pelo caminho. Estava tão emocionada que parecia ir visitar o meu próprio filho, gerado em outra barriga.

Tomei-o nos braços. Levitei com aquela criaturinha angelical. Tão frágil e indefesa, quase como um pássaro que a qualquer instante vai alçar voo. Senti o cheirinho de inocência que todos os bebês têm e uma lágrima fujona me escapou rolando ligeira pela bochecha. Amei aquele menino profundamente.

- Meu Deus... Que coisinha mais maravilhosa da tia! Você é um bebê muito lindo sabia? - ele se agitava retorcendo cada músculo do corpinho e aumentou os decibéis do choro - Oh minha criança, não chora assim, não chora... - Helô permanecia errática olhando para a porta, indiferente - Pai, quando foi a última vez que ele mamou?

-Ele mamou só um pouquinho ainda na sala do parto. - Kaio chorava quase a se asfixiar.

-Pai, aperta o botão aí, chama a enfermeira. - não sei o que me desesperava mais o choro agudo do Kaio ou a indiferença da minha irmã - Ele está muito agitado, deve estar faminto!- exclamei enquanto embalava meu sobrinho. Meu pai apertou o botão da emergência, mas a enfermeira surgiu com o médico, o Rafael e a minha mãe na sequência.

Minha mãe nem disfarçava o semblante contrariado. Rafael deu sorriso acanhado ao me ver, balbuciou um "olá" bem xoxo, o parabenizei pelo filho e logo o médico começou a falar com a Heloísa.

-E então mamãe... Vamos dar de mamar para esse filhote? - encorajou o médico jovem ainda, diria de cerca de trinta anos. - Você passou a pomada nos seios?

-Sim... - respondeu Helô desviando os olhos. - Mas não quero dar de mamar. Eu tenho esse direito! O corpo é meu! - resmungou olhando em seguida para o Rafael esperando que ele a defendesse. - Qual o problema da mamadeira? Hoje em dia tem leite para recém-nascido!

Demorou para que tivéssemos a dimensão do tamanho do problema.

Pensem que em menos de um ano as preocupações da minha irmã resumiam-se a baladas, churrascos, encontros com amigos, suas responsabilidades se limitavam ao estágio de meio período e a faculdade que era arcada por mim. Agora, estava casada com um homem do qual nutria sentimentos incertos e confusos, sendo mãe de primeira viagem, insegura e assustada como parte considerável das mulheres nessa situação. Nas primeiras semanas em casa com meu sobrinho, estava chorosa, irritadiça, inapetente e reclusa. Com o passar do tempo, ela apresentava comportamentos cada vez mais preocupantes.

Uma tarde, Rafael chegou do trabalho e encontrou o Kaio no bebê conforto na sala, sozinho, roxo de tanto de chorar, enquanto Heloísa dormia. Contudo, o histórico dela não era dos mais favoráveis e minha mãe assimilava as atitudes da filha como irresponsáveis atribuindo a isso a imaturidade.

EU TOQUEI A VIDA - Continuação de Eu Toquei o InfinitoOnde histórias criam vida. Descubra agora