Capítulo 4: Só nós, a noite e os gritos

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vocês temem a escuridão

ela pode esconder perigos

vocês temem a escuridão

ela os leva ao desconhecido

.

mas vocês a temem

acima de tudo

porque ela os lembra

que cada um de vocês

do berço ao túmulo

está sozinho

Acuse os profissionais do motofrete de qualquer coisa, mas nunca de dificuldade em se adaptar. Pois mal se passaram algumas horas do primeiro tremor, os paulistanos já se acostumaram com um novo personagem pelas ruas da cidade: os chamados taxiboys.

A confusão nas ruas estacionou a cidade que nunca dorme e fez com que a frota de quase 200 mil motoboys de São Paulo se visse de uma hora pra outra de braços cruzados. Logo eles estavam zanzando com pessoas na garupa ao invés de documentos ou comida e não era raro ver diretores impecavelmente engravatados indo para o trabalho na garupa de um taxiboy.

E foi assim que João chegou à redação cedinho naquele sabadão. Paula e Marco já estavam lá, ela digitando alguma coisa e Marco saindo do banheiro com uma roupa de ciclista ridiculamente colorida.

- Opa, ilustre líder – ele disse sorrindo – Muito bom dia!

- Marco... – João falou desabando na cadeira, sua coluna nada contente com a recente viagem de taxiboy – Eu nunca vou entender como você consegue angariar esse tipo de bom-humor às sete horas da manhã.

- Seis da manhã. – respondeu o redator – Eu resolvi chegar um pouco antes pra adiantar as coisas e ainda bem que eu fiz isso.

- Por que? O que aconteceu?

- O que *não* aconteceu? Teve crimes na cidade inteira, gente desaparecida por todo o lado, pessoas esfaqueadas.

- Graças a Deus – disse João – Pelo menos dá uma variada nas notícias. Não aguento mais essas matérias de gente chorando as pitangas porque perdeu tudo.

Mas quando o editor fez a sua ronda matinal corriqueira pelos sites de notícia, começou a ficar assustado de verdade. Não lembrava de já ter visto uma noite tão violenta.

- Cacete, foi sério mesmo! Como tanta gente desapareceu de uma hora pra outra? Isso não pode ser coincidência.

- Eu já liguei pro secretário de segurança – Paula falou – Na verdade acho que acordei ele.

- É, ainda bem que você tem o celular do safado, porque acho que vai ser foda falar com esse sujeito hoje pela assessoria. O que ele disse? Pegou uma aspa?

- Ele não fazia ideia do que tava acontecendo. Eu estava mais bem informada que ele.

- É foda, né? Não esquece de botar na matéria que a secretaria não tinha informações pra ferrar esses desgraçados.

- Já coloquei, mas vamos ver se até o final do dia ele dá um pronunciamento. Vai ter que dar, acho.

- Se der bota também, mas inclui qualquer porcaria que ele falou só pra gente ter alguma coisa exclusiva.

- Beleza.

O celular de João começou a tocar e ele já xingou o nome da ex-mulher, crente que já era outra cruzada manipulativa. O que seria a cereja no topo do sorvete de merda que prometia ser o seu sábado. Mas, por incrível que pareça, era o Caio. João ficou chocado.

Quando os Pesadelos AcordaremOnde histórias criam vida. Descubra agora