Capítulo 8: Uma última balada na beira do mundo

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não conseguimos

não sabemos mais o que é amor

apenas sabemos que um dia soubemos

quando ouvimos os gritos de Bahja

que a cada instante nos ensurdecem

.

e choramos junto dela

e estudamos o seu suplício

e tentamos com muita força

sentir de novo ao invés lembrar

e talvez um dia amá-la mais uma vez

Diego foi o único que viu Isaque.

Não parecia certo, concordaram, enterrá-lo naquele amontoado de panos imundos que o cobria. Diego levou o corpo para o quarto e ficou lá com ele por cinco minutos que pareciam não ter fim. Saiu com Isaque nos braços, todo enrolado em lençóis brancos como se estivesse em um casulo, prestes a renascer. E Diego saiu de lá mudado, com um peso no olhar que não possuía antes e fez questão de carregá-lo escada abaixo.

A realidade da tarefa que iam precisar executar bateu nos sobreviventes quando eles chegaram ao térreo. Não tinham ferramentas para cavar e, caso tivessem, cavar leva tempo. E tempo de luz era uma coisa preciosa naqueles tempos. Talvez a mais preciosa de todas.

Contra todas as improbabilidades, no entanto, encontraram um lugar já pronto. Era como se aquele cruel universo os permitisse ao menos essa migalha de tranquilidade. Mais, era como se o universo saísse da frente em respeito, para deixar o pequeno Isaque passar.

Após poucos quarteirões encontraram um canteiro que estava em obras e repleto de ferramentas deixadas às pressas. Havia nele um buraco já formado, com as dimensões para receber uma árvore que jamais viria.

Diego colocou o pequeno em sua cova e não demoraram nem dez minutos para encobri-lo com as pás que encontraram. Quando tinham terminado, hesitaram em seguir viagem. Parecia errado sair sem dizer nada, mas estavam todos secos de palavras. Foram embora.

Essa despedida foi particularmente dolorosa para Diego. Mesmo não sabendo nada da breve vida do Isaque, os poucos minutos que eles passaram juntos fizeram com que ele sentisse como se estivesse enterrando, se não um filho, ao menos um conhecido. Depois de alguns passos, ele foi o único a olhar para trás.

* * *

Acharam outro abismo antes da avenida Paulista terminar. Esse era menos alongado e mais gordo do que o primeiro, com o formato de um buraco propriamente. Eles se aproximaram da borda sem medo devido à luz. Com a confiança do chihuahua que late de dentro da segurança das grades da casa contra o pitbull da rua. Diego chegou até a escarrar lá dentro e seu exemplo foi seguido por todos. Ficaram olhando as bolinhas de saliva brilhando ao Sol até sumirem de vista no escuro. Era gostoso imaginar que algum pesadelo lá embaixo poderia estar recebendo uma bela cuspida na testa.

João disparou um escarro a uma distância tão significante que recebeu até aplausos dos companheiros. A bola de catarro e saliva viajou longe o bastante para bater o recorde estabelecido pelo grupo naqueles poucos momentos. Gabrielle foi a única que não aplaudiu, pois estava tentando entender algo que via na outra extremidade do que se tornara a Arena Oficial dos Primeiros Jogos Paulistanos de Escarro à Distância.

Havia diversos outros buracos, com cerca de três metros de diâmetro, mas era difícil discernir o tamanho à distância. E não eram sem fim como os outros que encontraram, mas apenas de uns poucos centímetros de profundidade. Não parecia que algo tinha saído da terra, como nos demais, mas que algo tinha pressionado o asfalto até ele ceder e comprimido a terra debaixo. E era curioso como esses buracos formavam uma espécie de linha como...

Quando os Pesadelos AcordaremOnde histórias criam vida. Descubra agora