o vento penetra nas profundezas
o vento nos conta os seus segredos
.
nos traz as palavras dos seus sábios
um povo assombrado vocês são
com medo até de sentir o medo
Gabrielle andou até a janela. Subiu na fenda. Pressionou os pés descalços contra o metal frio. Olhou para baixo. Saltou.
Não sentia como se estivesse caindo, mas voando, como se o edifício fosse na verdade o chão. E ela passou por dezenas de janelas, depois centenas, e a rua não estava mais próxima do que no princípio. Até que o prédio se tornou mesmo o chão. Gabrielle voltou os pés descalços para o novo baixo e aterrissou.
Aí Gabrielle sentiu com certeza tão forte que a gravidade era o nome do lugar para onde sua vontade apontava. Ela olhou para uma nuvem e quis estar lá. Os seus pés descalços descolaram do concreto e ela disparou a subir, subir, subir.
Tinha uma casa entre as nuvens. Era a casa onde ela cresceu, mas quando atravessou a porta era o colégio onde ela estudou. Era uma casa de fragmentos, na verdade, que tinha tantas portas quanto Gabrielle tinha lembranças.
Ela viu através de uma o dia em que ela chegou na Estação Barra Funda. Tanta gente de cara estranha em São Paulo. Olhando pra ela de jeito estranho enquanto ela ficou chorando por horas esperando a prima. Nessa porta ela não entrou.
Ela viu por uma abertura o que devia ser o momento do seu nascimento. Seus pais estavam lado a lado de mãos dadas e por algum motivo era o Dr. Carter do Plantão Médico que fazia o parto. Mas Gabrielle ficou incomodada, porque seus pais não possuíam rostos. Nessa porta ela não entrou.
Ela viu que atrás de outra estava o Alexandre, batendo contra o vidro, chamando o seu nome, pedindo desculpas. E ela acelerou o passo e nessa porta ela não entrou.
Ela viu o seu primeiro cliente, um garoto que estava ainda mais assustado do que ela. Ela gostou dele e ele pareceu gostar dela. E ela pensou que podia existir um mundo no qual eles se encontrariam ao acaso e se apaixonariam. E ela achou naquele momento que não seria tão ruim se fosse sempre assim. Nessa porta ela quase entrou.
Mas ela viu uma última porta de onde saía um forte sol. Um sol que ela reconhecia. Que por algum motivo era diferente de todos os outros. Foi nessa porta que ela entrou.
Seus olhos demoraram a se acostumar com a luz. Quando se acostumaram, ela olhou para as suas mãos e eram as mãozinhas finas de uma menina de treze anos e ela olhou para o seu corpo e ele era também. Ela via, enquanto o Sol ainda nascia, os barcos dos pescadores indo e voltando do porto de Mucuripe, assim como as jangadas de velas coloridas. E ela mexeu a areia entre os dedos dos pés descalços enquanto deixava o Sol bater contra o seu rosto, inspirava o ar salgado e ouvia o som das ondas e das aves do mar. Ela olhou para o lado e viu as outras crianças. Ela lembrava de todos os rostos, mas de poucos nomes. Mas os nomes não pareciam ter muita importância. Ela lembrou das brincadeiras e ela pensou em ir lá brincar também.
De repente, um aperto no peito. E o Sol ficou frio e depois apagou como uma lâmpada que queima. E o céu estava morto e sem estrelas. E ela não conseguia mais respirar.
Em outro mundo, ela estava largada através da cama.
Em vão ela tentou correr, voar, nadar, andar, se arrastar, mas fora de seus sonhos seu corpo se moveu apenas o bastante para que o torso saísse parcialmente da cama. Os braços caindo indefesos, o cabelo e uma das mãos raspando no chão.
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Quando os Pesadelos Acordarem
HorrorO terremoto foi apenas o princípio de algo muito maior. Na primeira noite, os animais alertaram. As aves voaram para longe, os cães latiram enlouquecidos, os ratos fugiram da metrópole aos milhões. Mas nós os ignoramos. Na segunda noite, os notic...