Capítulo 5: É esse o nosso destino?

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vocês acham que Ljus os permite ver

mas na verdade é ela que os cega

.

porque quando estão sozinhos no escuro

vocês filhos de Ljus enxergam a verdade

.

que todas as suas construções tão altas

todas as suas máquinas que subjugam o mundo

todos os seus pensamentos em bilhões de livros

que toda a sua civilização

.

tudo elaborada desculpa para não ver

vocês vão morrer

"É engraçado", pensou João, "como o fim da luz faz a gente enxergar algumas coisas".

Tudo o que ele fez em sua vida foi por medo. Rotina, estudo, amor, lazer, trabalho, tudo desculpas para tentar esquecer o medo de que um dia ele desapareceria. Mas é bem mais difícil se distrair com outras coisas na escuridão.

Afinal, enquanto está vivo, ele tem certo poder. De despedir alguém a estender o braço e derrubar uma caneta da mesa, isso tudo era influenciar algo além de si mesmo. Isso era ter poder.

Mas um dia, ele estaria morto. Pode ser num assalto, após uma luta de meses contra o câncer, distração ao cruzar a rua ou um capilar poderia estourar sem motivo algum em sua cabeça e ele estaria morto antes mesmo de seu corpo chegar ao chão.

João imaginou muitas vezes como seria seu funeral, enquanto chorava à noite com um frasco de pílulas na mão, sem coragem de tomá-las. A covardia de João sempre foi maior do que sua vontade de morrer.

Ele tentou visualizar seus amigos e familiares chorando e se reunindo em rodas, trocando histórias sobre ele. E nelas, seus conhecidos aumentariam as virtudes de João na mesma proporção na qual minimizariam os seus defeitos. E, na morte, João seria mais perfeito do que jamais poderia ter sido em vida.

E é então que algo aterrorizante começaria a acontecer.

Todos que ele conheceu, todos que o amaram ou odiaram, tomariam daquele pequeno remedinho que tudo cura chamado tempo. Até os mais próximos começariam a pensar cada vez menos nele e a dor da perda, antes insuportável, começaria a ceder. E um dia eles iam se surpreender tendo mais uma vez um sorriso sincero. A lembrança do que foi João ia ficando menor no horizonte como uma ilha deixada por viajantes que seguem novos rumos.

E até mesmo esses viajantes, um dia tombam um após o outro. E junto deles, lentamente morre a memória de tudo o que João foi, de tudo o que João quis, até que não restará mais vestígio algum de que um dia ele existiu. João se perguntou o quanto de si havia morrido naquela noite, daquela forma.

"É esse o nosso destino?", João se perguntou. "Ser uma pedra que cai no lago e cria ondas que ecoam pelos seus cantos por um momento, mas que depois vão perdendo força até sumir?".

É também engraçado que ele, que tanto pensou em acabar com sua vida nas noites longas tão longas, agora desejava apenas viver. Depois de conhecer aquilo que se escondia na escuridão, a única certeza que tinha é que queria muito mais uma vez ver o Sol.

Ninguém falou nada por aquele tempo que não podia ser medido. Os outros dois estavam envoltos em seus mais íntimos pensamentos assim como João. Encarando o fogo com medo de olhar mesmo de relance para a noite sem fim que se estendia além da luz.

Quando os Pesadelos AcordaremOnde histórias criam vida. Descubra agora