junte em uma única criatura
o ódio de todas as viúvas
o ódio de todos os órfãos
de todas as suas guerras
.
e ainda não conceberia
o quanto cada um de nós odeia vocês
O templo era um oásis de ar-condicionado em meio à imensidão de asfalto e concreto ardente. Alguns poucos pastores incitavam os transeuntes a se aproximar, mas nem precisavam colocar muito afinco na iniciativa já que as pessoas entravam aos montes na estrutura. Estrutura que, por proteção divina ou boa engenharia, era uma das únicas intactas do quarteirão.
- Em momentos como esse – disse o pastor engravatado ao microfone – Os seguidores da Verdade de Jesus podem se perguntar: como um Deus misericordioso pode criar uma catástrofe como a que enfrentamos agora?
Ele mal aguardou e já deu a resposta.
- Deus é misericordioso, mas antes é justo! E a Sua justiça se faz necessária em momentos de grande devassidão moral. Em uma época na qual temos na cidade de São Paulo (veja o nome: São Paulo!) a maior parada de gays do mundo, quem ainda se pergunta porque estamos à beira de um destino semelhante ao dos cananeus de Gomorra e Sodoma? Pois o fiel encontra em Romanos 1: 26 e 27: “Pelo que Deus os entregou a paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural no que é contrário à natureza; semelhantemente, também os varões, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para como os outros, varão com varão, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a devida recompensa do seu erro”.
E começou a cantoria sobre amor na terra dos homens.
O culto refletia a atmosfera de incerteza encontrava por toda a cidade. Os fiéis cantavam de olhos fechados e em lágrimas, braços estendidos ao teto ou segurando as mãos dos vizinhos de assento. E entre toda aquela música, gente recuperando a visão ou saindo dançando de cadeiras de rodas, uma mulher carregando um bebê embrulhado em panos desceu a rampa em direção ao palco chorando histericamente de tal forma que se fazia ser ouvida mesmo entre tanta balbúrdia.
- O diabo! – gritou após subir no palco – O diabo tentou levar o meu filho, pastor!
Não é pouca coisa conseguir calar uma multidão cantante de mais de mil e quinhentas fiéis no clímax do culto, mas a senhora conseguiu. Ela tirou o pano e o jogou longe, ergueu a criança e ninguém mais conseguiu fazer nada além do sinal da cruz.
O bebê tinha diversos cortes escurecidos pelo corpo, que pareciam bem infeccionados. A criança não chorava, mas se você olhasse bem, perceberia que na verdade chorava em silêncio, pois não tinha mais forças para gritar. Seu corpinho se contorcia devagar e o rosto estava contraído, estacionado em uma expressão de extrema agonia.
Ela levou a criança para o pastor em meio a um silêncio tal que até mesmo os seus passos podiam ser ouvidos.
- O diabo tentou levar o meu filho, pastor – ela repetiu, com os olhos esbugalhados enquanto tremia, ao homem boquiaberto – Salve-o. Por favor.
Ali de perto, o pastor viu o que ninguém mais viu. Ele que achava já ter encontrado todo o tipo possível de mutilação, colocou apavorado a mão tampando a boca quando viu os olhos da criança. Ou melhor, os buracos escuros onde eles deveriam estar.
* * *
A primeira memória de João era dele deitado na cama de seu quarto quando tinha ainda três ou quatro anos. Quando a luz se apagou.
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Quando os Pesadelos Acordarem
HorrorO terremoto foi apenas o princípio de algo muito maior. Na primeira noite, os animais alertaram. As aves voaram para longe, os cães latiram enlouquecidos, os ratos fugiram da metrópole aos milhões. Mas nós os ignoramos. Na segunda noite, os notic...