acho que ela tá brava

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                    Cauã Souza

Empurro a enorme porta de madeira e adentro o estabelecimento, sorrio quando sinto a temperatura mais amena, porém o sorriso vai embora assim que eu vejo o tamanho do local. Ótimo, vou me perder aqui dentro

Caminho até um balcão de madeira onde a recepcionista, uma mulher que nunca vi na minha vida, está sentada em uma cadeira de rodinhas com uma lixa na mão cerrando suas enormes unhas vermelhas e mascando um chiclete.

—Licença senhora, você viu uma garota entrar aqui há um tempinho atrás? — sorrio com a intenção de ser receptivo, porém isso não adianta de nada quando a mulher nem ao menos faz questão de levantar o rosto  pra  olhar pra mim.

— Essa é a maior biblioteca pública da cidade e você está me perguntando se eu vi uma garota entrar aqui? — ela revira os olhos—Por favor, garoto, não desperdice meu tempo.

Suspiro derrotado. Sei que vou ter que me virar sozinho.

Começo pelas enormes mesas redondas de madeira onde se concentra a maior parte das pessoas, porém a única coisa que eu vejo são nerds com seus rostos enfiados em livros, passo de prateleira em prateleira mas também não a vejo. Decido subir para o segundo andar e quando eu chego em uma das estantes eu posso ver de longe o seu enorme cabelo preto liso preso em um coque frouxo em cima da cabeça. Eu falei que iria achá-la

Me aproximo dela com passos curtos e lentos, paro assim que fico a alguns bons centímetros de distância de suas costas.

— Esse é um dos meus livros prediletos — digo, assustando-a, me referindo ao livro que ela verifica a capa.

— Primeiro — ela diz sem nem ao menos se virar pra mim, seu tom é de irritação — Você está me perseguindo? — ela pergunta, porém eu sei que é uma pergunta retórica já que ela continua.— E segundo; seu livro predileto é: como identificar um psicopata?

Merda, eu não fazia ideia de qual era o livro que ela estava lendo.

—Talvez?

Ela resmunga, algo que estou começando a perceber que faz com frequência, pelo menos quando eu estou perto dela. Manuella se afasta de mim e anda até uma das mesas redondas onde uma pilha de livros a espera, eu sigo ela e sento em uma cadeira de frente a sua.

Dessa vez não digo nada apenas a observo se movimentar, ela pega um dos livros da pilha e o abre na primeira página, meus olhos voam de suas mãos delicadas contra a capa amarronzada até seu olhar concentrado, suas íris castanhas estão se movimentando enquanto ela lê o que está escrito. Suas sobrancelhas franzem, uma clara indicação do quão concentrada ela está.

Continuo calado por mais alguns segundos, sabendo que não vou sair daqui até que ela me ouça.

—Inferno, tira os olhos de mim, não estou conseguindo me concentrar! — Ela diz, seus olhos se afastando das páginas e chegando até mim.

—Nossa... já encarei muitas garotas na vida e nenhuma delas nunca reclamou da minha atenção—sorrio— Na verdade é bem o contrário.

Manuella revira os olhos.

—Pode acreditar, sou grata por não ser como suas garotas— ela diz as duas últimas palavras como se fosse uma praga em sua boca — Eu preferiria que você fosse cego pra mim.

— Nossa essa doeu — ponho umas das mãos sobre o peito e finjo estar ofendido.

Puxo um livro da pilha enorme e assim como ela, o abro na primeira página.

— O que você está fazendo?

Encolho os ombros.

—Você não é tão tonta assim. Eu estou lendo oras.

Manuella, estreita seus olhos e me analisa.

— Não sei pelo que estou mais surpresa: você saber ler ou estar em uma biblioteca.

Pelo visto eu não sou o único que gosta de irritar o outro. Ela ficará surpresa ao ver o quão bom eu sou nisso, vamos ver quem desiste primeiro.

— Sim, eu sei ler e também já estive em uma biblioteca antes. Duas vezes para ser mais exato, porém em nenhuma dessas vezes eu vim aqui pra ler livros — abro um sorriso conspiratório esperando que ela entenda as minhas palavras.

Ela levanta as mãos e cobre o rosto.

—Alguém mata esse cara por favor...— escuto ela sussurrar, mas não dou atenção, apenas fico passando os olhos pelas linhas escritas no livro, fingindo estar lendo.

—Estou disposto a te desculpar pelo que você fez—começo, pois sei que terei que tocar no assunto ela querendo ou não.

—E quem disse que eu preciso do seu perdão?! —ela ergue uma de suas sobrancelhas.— Para início de conversa não tem nem motivos para eu te pedir desculpas.

Isso vai ser mais difícil do que eu imaginava.

—Não tem, huh?

Ela volta a erguer suas sobrancelhas e quando vai abrir a boca para provavelmente me xingar, nós somos interrompidos.

—Silêncio, estamos em uma biblioteca não em um barzinho!— escuto um cara próximo a nós resmungar.

Desvio meus olhos para encarar o cara com uma camisa de botão enfiada dentro da calça jeans. Patético.

—Ah cala boca, nós estamos— conversando não tá vendo?—Digo, não dando a mínima se estou atrapalhando ele lê a porra dos livros fictícios dele.

Não é o Harry Potter que vai por magicamente a minha nota de volta no boletim então que se foda esse cara.

—Você não sabe ler? Está escrito em todas as paredes para fazer silêncio, agora cala a boca e me deixa em paz —Manuella diz, ela volta a pegar seu livro para ler.

Ótimo! É assim que ela quer jogar? Vamos jogar!

—ISSO MESMO, VOCÊ NÃO VAI ACREDITAR Manuella! EU ESTAVA NO TREINO E...

Ela levanta a cabeça tão rapidamente do livro que seria capaz de quebrar o seu próprio pescoço.

—Porque caralhos você está gritando??! — seu tom é de ira.

—SIM! FOI EXATAMENTE O QUE EU DISSE A ELE MAS ELE  QUIS ME OUVIR? NÃO, NÃO QUIS!

Seus olhos castanhos vacilam em desespero.

—A gente vai ser expulso daqui, cala a porra da boca agora seu lunático—sua voz se mistura em súplica e ódio.

—MAS EU NÃO DEIXEI POR ISSO, EU...

—QUE GRITARIA É ESSA? — a voz da recepcionista chega aos meus ouvidos — VOCÊS DOIS —- ela apontou para mim e para Manuella - FORA! AGORA!

—Eu não fiz nada June, eu juro!—Manuella tenta se justificar, porém June apenas balança a cabeça em negação e nos manda sair pela última vez.

Manuella me lança um olhar mortal ao tempo que eu apenas sorrio inocentemente para ela.

Nós dois levantamos e saímos da biblioteca. Assim que a porta principal é fechada atrás de nós o silêncio é rompido pelos gritos de Manuella.

— EU. VOU. TE. MATAR! SEU FILHA DA PUTA!

 MATAR! SEU FILHA DA PUTA!

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