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S A U L O

— Não.

Digo e espero que minha mãe grite ou ameace me colocar pra fora de casa, não que eu pretenda ficar aqui por muito tempo ou considere esse lugar um lar, mas sei que estou andando na linha fina com ela, então vou aceitar tudo em silêncio e pagar sua decisão final.

Só que ela não fala nada.

Ergh.

Merda ruim.

Eu suspiro, passando a mão pelo meu cabelo  quando fico de pé na frente dela e suavizo meu rosto.

—  Escute, eu não quero te chatear, compreendo suas expectativas sobre mim  e mesmo que não pareça, me dói não ser o filho que a senhora merece.

Mamãe bufa.

— Pare com essa besteira, Saulo.

— Não sou um cara legal, mãe. Não pretendo fazer faculdade,  nem casar com uma boa garota e ter netos para a senhora cuidar. — ela faz um barulho ofendido e coloca a mão no peito como se não me reconhecesse, então seus olhos adquirem um brilho de diversão e ela solta uma risada.

— Pequeno monstrinho.

Um sorriso se estende pelos cantos da minha boca e a puxo para um abraço.

— Oh, a senhora está errada. Eu não tenho nada pequeno em mim. — sussurro e ela me empurra com a mão e bate no meu peito.

— Não seja assim, garoto.

—  Apenas a verdade, mãe. A senhora fez um excelente trabalho aqui.

Apoio minhas costas na parede próxima a porta e a estudo com calma, armazenamento sua expressão alegre na fundo da minha mente para que eu posso ter uma imagem dela sorrindo comigo quando chegar a hora de partir.

— Esse lugar a faz feliz, certo?

Ela assente.

— Essa terra me faz bem, Saulo. Foi aqui que eu e sua tia crescemos, exploramos cada centímetro desse lugar e posso dizer quais podem servir para um esconderijo.
— pisca e armazeno essa informação, afinal posso acabar precisando quando acabar o que vim fazer aqui.

— Tem certeza que quer ficar para morar, mãe?

Ela cruza o espaço entre nós, tocando meu rosto com suavidade, o olhar perdido nas lembranças do passado.

Tento não demonstrar o quanto isso me chateia, mas minha testa franze em uma careta irritada mesmo assim. Ninguém além de mim sabe o quanto ela sofreu com a morte daquele homem, as noites que acordei com ela gritando e chorando o nome dele, o dia que cheguei da escola e encontrei-a dentro da banheira inconsciente.

Não.

Estes momentos são nossos pequenos segredos.

Mamãe suspira, finalmente acordando do seu transe e me olhando com seus olhos esperançosos.

Eu detesto destruir isso para ela.

— Você também pode ficar, querido.

Meus ombros ficam tensos, a esperança em seu tom grudando na minha alma tão profundamente que preciso empurrar o sim pelo seu caminho de volta.

Balancei a cabeça e afastei sua mão antes que ela dissesse mais alguma coisa.

— Sinto muito, mãe. — fui até o guarda-roupa e peguei uma toalha de uma das gavetas, jogando por cima do ombro enquanto apontava para o banheiro com a cabeça. Felizmente, a família Flores é extremamente rica devido ao dinheiro bem investido que o pai de vovó deixou pra ela e as netas, então não preciso me preocupar com ela passando por dificuldade financeira sem mim por perto.

Embora eu odeie esse dinheiro como vovô fazia.

— Apenas jante conosco essa noite, ok?É a primeira vez que Liz comerá conosco depois do acidente, e é importante que toda a família esteja lá. — ela falou depois de um silêncio esmagador e não posso negar que fui pego de surpresa, fazia uma semana desde que cheguei nessa maldita casa e desde nossa pequena troca de olhar no primeiro dia, com ela me encarando como uma lunática da sua janela, não tive mais nenhum contato com a pequena garota mimada morando no fim do corredor.

Eu assenti com a cabeça, tentando não parecer empolgado quando minha mãe se inclinou para mais perto de mim e beijou minha bochecha.

— Tudo bem. — eu disse como resposta para alguma pergunta que ela me fez, mas eu realmente não prestei atenção nisso, então quando a porta bateu e voltei a ficar sozinho, caminhei até meu celular na cama e busquei pelo contato de Pérola.

A última mensagem que ela me enviou ainda salva, uma lembrança física do que vim fazer aqui. 

Dizem que a escuridão é reservada para pessoas más, indivíduos que não conseguem esconder seus pensamentos e ações ruins, mas os psicopatas não são assim. Eles possuem uma máscara de normalidade perfeita, agem como pessoas normais até que você os conhece melhor, e de repente você percebe que a caixa do supermercado que não demonstrou emoção durante o assalto, mesmo que ela tivesse uma arma direcionada para si e você estivesse gritando, pode ser mais perigosa que o idiota armado.

Não é caso de Pérola, no entanto.

A garota era como um arco-íris pronto para colorir o mundo, quero dizer, isso se ela tivesse seu pequeno cordeiro ao lado. 

Liz é o meu problema.

Ela pode agir como se fosse a pobre garota sofrendo pela morte da irmã, mas ela já matou alguém, e eu quero vingança. 

Eu vasculhei as conversas antigas entre Pérola e eu até ter certeza que meu nome não era citado, considerando que a garota tinha meu contato salvo com o apelido de serpente e não tinha certeza sobre minha identidade, respirei mais aliviado e joguei o celular de volta para o lugar inicial, checando a hora antes de entrar no banheiro e optar por um banho gelado. Quando eu estava pronto, desci as escadas e pelas vozes agitadas percebi que todos já estavam lá, adrenalina nadou pelo meu corpo e inundou minhas veias, fazendo meu coração bater mais rápido.

— Ei, soldadinho. — Vovó disse quando adentrei a sala de jantar, mamãe estava sentada ao lado dela e me deu um olhar de desaprovação depois de checar minha roupa, composta por um único tom de preto, apesar da blusar conter uma pequena frase ofensiva para metade da família. 

Eu odeio flores. 

Caminhei até minha mãe, beijando sua cabeça e da minha vó em seguida.

— Aqui, quebra-nozes. — vovó bateu a mão na cadeira livre do seu outro lado e dei-lhe um sorriso largo e maldoso. 

— Obrigado, bruxa velha. — rosnei, arrancando um largo sorriso da parte dela e uma advertência de mamãe.

Minhas mãos estavam inquietas assim como meus pés, mas eu tentei não virar a cabeça na direção da homenageada da noite, embora sentisse seus olhos em mim.

— É um prazer ter vocês aqui. — a voz suave perfurou minhas barreiras e com um rosnado preso na garganta, girei o pescoço na direção da dona. A garota estava mais pálida do que da última vez, o cabelo partido ao meio estava maior, sem brilho, meio perdido entre o loiro e o castanho, descendo pelos seus ombros e se perdendo da minha vista, sua boca não estava coberta por batom ou qualquer tipo de merda que as garotas gostam de usar para deixar os lábios suculentos e atraentes, sinceramente, ela parecia meio morta.

— O parzer é todo meu, prima. 





ARVORE DESPIDA [2024]Onde histórias criam vida. Descubra agora