LIZ
Um mês.Um mês desde que voltei para casa, e quase dois da morte de Pérola, mas ainda não descobri a senha do celular dela.
Minhas pernas balançam levemente, e meus pés tocam o chão com frustração, afundando na terra úmida. A grama roça minha pele, enrolando-se entre os dedos, enquanto tento parar o balanço. As coisas estão cada vez mais sufocantes em casa, especialmente com os olhos de Saulo me seguindo como se eu fosse alguma presa. É como se fôssemos crianças novamente. A mesma história.
Ele olha, mas nunca diz nada.
Urgh!
Inclino a cabeça para trás, fitando as nuvens, procurando um desenho, qualquer coisa que me mostre uma saída. Quando ouço o som de passos, uma sombra surge ao meu lado.
Faço uma careta.
— Não quero conversar, papai — resmungo, sem me dar ao trabalho de olhar para cima.
— Se vai começar a me chamar de papai, devo alertar que sou adepto a palmadas — ele responde com sua voz suave, carregada de sarcasmo.
Meus pés se afundam na areia, e o balanço para de repente. Me desequilibro, quase tombando para frente.
— O quê? O que você está fazendo aqui?
Saulo me encara com aquele sorriso debochado, suas sobrancelhas erguidas, como se estivesse se divertindo às minhas custas.
— Por favor, você estava implorando por atenção — ele comenta, o tom casual demais, quase desinteressado.
— Desculpe? — replico, torcendo o nariz, tentando entender suas intenções.
Ele revira os olhos e inclina a cabeça de lado, como se eu fosse algum enigma que ele não tem paciência para resolver. E talvez seja isso que ele pensa. Eu não o compreendo. Tudo que sei é que somos primos. Família. Mas quem é ele realmente? O que ele faz? Como era sua vida antes de voltar para cá? E, mais importante, qual o problema dele comigo?
— Você parecia uma flor à beira de murchar — ele diz, com sua típica ironia, referindo-se ao sobrenome da nossa família, algo que ele parece odiar.
Saulo sempre faz essas piadas ácidas sobre flores. Só que, nesse caso, as flores somos nós. Nossa família.
Na noite passada, entrei em seu quarto enquanto ele conversava com meu pai na varanda. Mexi em suas coisas, sem nenhum remorso. O que encontrei? Nada muito revelador, exceto um detalhe curioso. Todos os seus documentos trazem apenas o sobrenome de seu pai.
Ross.
— Qual o seu problema comigo? — pergunto de uma vez, erguendo o rosto até que nossos olhos se alinhem. Ele morde de leve o lábio inferior, e uma sensação desconfortável percorre meu corpo.
Saulo desvia o olhar por um segundo, fixando-se em algum ponto atrás de mim, antes de voltar sua atenção para mim, um sorriso perverso se formando em seus lábios.
— Peguei você — ele sussurra, quando tento me levantar do balanço. Ele se aproxima, sua respiração quente contra a minha nuca. — Ehhh, o que é esse cheiro? Quando foi a última vez que você tomou banho e lavou o cabelo?
— O quê? Lavei ontem à noite! — tento afastá-lo com uma cotovelada, mas ele é rápido.
— Parece que não penteou desde então.
— Meu cabelo está bem — digo, irritada.
— Não, não está. E essa roupa? — ele pergunta, como se minha aparência fosse uma afronta pessoal.
— O que tem de errado com a minha roupa? — replico, indignada.
— É sério? — fala, rondando ao meu redor. — O correto é perguntar o que não tem de errado com ela. Parece que acabou de sair da cama, sem contar o estado delas. Essa camisa é do seu pai? — pergunta, com aparente desgosto, agarrando a camisa pela frente e estudando os pequenos buracos.
— Eu não tenho que me vestir para você! — rosno, tentando mais uma vez acertá-lo na costela.
Saulo apenas ri, desviando com facilidade e empurrando seu corpo contra o meu, prendendo-me contra seu peito. Sua proximidade me sufoca, e seu hálito quente bate contra a minha orelha.
— Não, você não precisa — ele murmura, com uma calma que só aumenta minha raiva. — Mas não quero ser visto ao lado de alguém que não se cuida, sinceramente, você parece uma sem teto.
Minhas mãos tremem de raiva, as lágrimas começam a descer conforme tento me libertar do seu aperto e perco, ele empurra o rosto ainda mais na curva do meu pescoço, mordendo minha orelha com suavidade.
— Tão fedorenta... — ele sussurra, provocando, e minha mente se enche de xingamentos.
— O que você está fazendo? — pergunto, nervosa, com medo de alguém aparecer e entender tudo errado. — Saulo, pare com isso.
Ele ri, um som baixo e carregado de malícia.
— Gosto quando vocês começam a implorar — diz ele, sem disfarçar o duplo sentido.
— Você é nojento.
Ele me solta devagar, mas permanece perto o suficiente para eu sentir sua presença desconfortável. Saulo é uma sombra, sempre rondando, sempre me confundindo, oscilando entre um primo provocador e algo mais sombrio. A confusão que ele provoca em mim cresce a cada dia, e não sei por quanto tempo ainda consigo lidar com isso, principalmente se ele começar a ser cruel.
— Um dia, Liz, você vai entender. — ele diz, dando um passo para trás. — Mas até lá, vou me divertir observando você tentar descobrir.
— Fique longe de mim. — grito, mas ele nem olha para trás, voltando a fingir que eu não existo.
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ARVORE DESPIDA [2024]
Novela JuvenilARVORE DESPIDA - segredos de família. [2024] Liz perdeu sua irmã em um acidente de carro e precisará lidar com uma nova realidade, uma que possui alguém do passado que ela pensou ter imaginado, segredos, desejos proibidos e o ex da sua irmã que el...