Liz
"O amor é só mais uma mentira dita tão bem que parece verdade".
Levo minha mão direita ao rosto e afasto com muito esforço a mecha que me tampa a visão, do outro lado da avenida, consigo visualizar minha irmã desacordada, coberta por sangue. O ar me falta por meio segundo. Ergo meu tronco e tento firmar minhas duas mãos ao chão e levantar de uma só vez meu corpo para ficar de pé e ir até ela. Um gemido deixa meus lábios quando o jeans entra em contato com a ferida exposta na minha perna direita, existe sangue por toda a extensão do tecido escuro, meu sangue.
Droga.
O Chevrolet Opala de cor vermelha, deixado por vovô em forma de herança para Pérola está destruído com tantos amassados e arranhões que o fogo que sai dele é só mais um atrativo. Encaro minha irmã que ainda está caída inconsciente e manco em sua direção. Minha perna está algo horrível de se olhar que evito pensar sobre ela e o motivo de tanto sangue e dor.
- Pérola. - chamo, usando cada esforço ainda disponível em meu corpo. Toco seu rosto e meu coração acelera quando sua pele fria encontra as pontas dos meus dedos.Nego com a cabeça.A noite está fria, por isso seu corpo está tão gelado.Busco meu celular nos bolsos da minha calça, tentando manter o controle da situação.
—Você vai ficar bem, vou tirar a gente daqui. —murmuro.
O desespero me invade ao lembrar que o aparelho telefônico ficou em meu quarto, em cima da cama. Pérola parecia tão nervosa que obedeci de primeira quando ela me mandou entrar no carro e não fazer perguntas. Te explico quando a gente estiver bem longe desse lugar, ela disse. Franzi o rosto para suas palavras, não estava compreendendo nenhuma de suas ações e ouvi-la se referir a nossa casa, o lugar onde crescemos e compartilhamos momentos felizes daquela forma foi a gota d'água. Eu a questionei. Nós começamos a discutir e ela percebeu o cachorro no meio da estrada tarde demais, ela desviou para poupar o pobre animal e infelizmente o carro bateu em uma árvore. Eu não lembro em qual momento nós deixamos o carro. Olho para a minha perna, compreendendo o motivo de tanto sangue, eu fiquei presa e apaguei. Pérola deve ter nos tirado de lá.
— Eu vou te salvar, irmãzinha. Confia em mim.— vasculho em sua jaqueta, desviando da sua pele pálida e gélida. Ela recebeu várias ligações quando estávamos no carro, todas foram rejeitadas. Deve estar em algum lugar por aqui. Minha mão esbarra em algo metálico e um suspiro de alívio deixa meus lábios, digito o número de emergência e tento formular as palavras que irão explicar a nossa localização para a mulher do outro lado da linha.
—Eu...
Uma explosão me assusta e derrubo o celular, olho para o velho carro de vovô enquanto fogo o consome, tento recuperar o celular e falar para atendente que preciso de uma ambulância urgente para minha irmã. Um segundo estrondo, ainda mais audível que o último, arremessa pedaços em chamas do carro em nossa direção. Encaro minha irmã e tento chamar novamente pelo seu nome, mas a algo errado com minha voz e meu corpo, pois não consigo manter meus olhos abertos.
[•••]
Escuto vozes, existe mais de uma pessoa aqui. Eles vão ajudar minha irmã e tudo vai ficar bem. Tento mexer meus braços, mas eles estão presos em alguma coisa.
—Ela logo vai acordar, querida. — alguém sussurra. A voz parece com a de papai. Eu adoraria que ele estivesse aqui, certamente saberia o que fazer. Ele é médico.
—Faz dois dias que ela está desacordada. — alguém fala. Parece triste.-O corpo dela está se recuperando.
— Ela vai acordar.—uma voz masculina ressoa ao fundo, ele parece tentar acalmar a mulher. Forço meus olhos a se abrirem, mas fecho em seguida quando a claridade agride meus olhos.
—Eu só não quero perder outra filha. - A mulher fala alto, sua voz está chorosa. Meus olhos abrem e se chocam com as suas íris verdes. Mamãe. Meus olhos varrem o quarto. Ela não está aqui.
—Pérola? —sussurro. Minha garganta arde.
Tusso.
O ar me foge.
Ninguém me responde, então procuro pelos olhos dele. Papai é o mais forte de nós, massua cabeça balança de forma negativa e seus ombros caem vencidos. As lágrimas escorrem por minha face, grunhidos e soluços arrancam o silêncio do quarto, mas eu não consigo distinguir de qual dos presentes está vindo o barulho. Talvez, seja de mim.
Uma mulher vestida de branco injeta algo em meu braço, meu músculo contrai em automático por conta da picada. Observo-a sorrir em minha direção de forma amigável e me dizer algo, minha visão está turva e começo a questionar o que me foi injetado e onde estou de fato. A confusão de rostos e cores vai se dissipando lentamente bem na minha frente, ainda consigo ouvir vozes e distinguir a cor das paredes, todas de um branco gelo, mas tudo está tão confuso que não posso assumir se estou de fato acordada ou tendo um sonho. O amarelo das paredes parece desbotado e sem graça, a posição dos bibelôs raros está errada e minha cama, antes coberta pelo tecido liso de tonalidade roxa, carrega agora uma branca com pequenas margaridas em um bordado simples e monótono.
Encaro os olhos verdes que me analisam ansiosos, sorrio, querendo me livrar o mais rápido de qualquer companhia, de todos eles.
— Estou cansada, posso dormir um pouco? — Pergunto, expulsando de forma cautelosa a mulher que me trouxe a vida.
Mesmo que eu não esteja nenhum pouco a fim de fechar os olhos e mergulhar na escuridão das lembranças daquela noite.
— Você precisa de algo? — A voz preocupada, carregando o excesso de cuidado, reverbera sobre todos os metros quadrados do espaçoso cômodo.
— Só descansar.— Pontuo, indiferente e fitando continuamente o travesseiro extra que acabei de identificar ao pé da cama. Tudo parece tão desconexo e errado. Um beijo casto é depositado sobre meus cabelos, sinto a tensão e a expectativa se estabelecer antes de a porta ser fechada e eu voltar a ficar sozinha. Silêncio. Finalmente posso parar de fingir.
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ARVORE DESPIDA [2024]
Fiksi RemajaARVORE DESPIDA - segredos de família. [2024] Liz perdeu sua irmã em um acidente de carro e precisará lidar com uma nova realidade, uma que possui alguém do passado que ela pensou ter imaginado, segredos, desejos proibidos e o ex da sua irmã que el...