|CAPÍTULO 21|

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Os dedos de Simone eram um excelente regulador emocional. O leve arrastar na superfície do couro cabeludo mantinha Soraya fisicamente consciente de onde estava e quem ela tinha ao seu lado. Nem todo o medo cabível no mundo afastaria a primeira-dama daquela intrínseca verdade: sua esposa era sua melhor amiga há quase trinta anos. Qualquer divergência em seu relacionamento não era superior às convergências que elas possuíam.

As bolsas e alguns dos seus pertences foram deixados pela sala, mas as duas se refugiaram no quarto que dividiam. Soraya se sentou na lateral da cama que costumava ser ocupada por Simone e deixou o corpo cair para trás, deitando-se atravessada. De olhos fechados ela respirou profundamente algumas vezes, tentando se acalmar. Após guardar os saltos no closet e retirar as jóias, Simone se aproximou da mulher que observava de longe. Deitou-se ao lado dela e apoiou a cabeça em uma das mãos, mantendo-a erguida em direção à loira.

"Eu ainda estou chocada, amor." A voz de Soraya soou levemente rouca e embargada pois ela havia chorado por todo o caminho. Simone anuiu com um aceno, dando espaço para sua esposa prosseguir. "A doutora Daniela e eu estávamos conversando sobre a visita do doutor Eduardo e entramos no assunto dos remédios. O quão tem sido um inferno viver com eles..."

"Realmente." Simone concordou muito pesarosa. Era ela quem via de fora Soraya se tornando um fragmento pouco a pouco. Passava poucas horas consciente e os momentos juntas eram pontuais. Um jantar, um filme sempre deixado pela metade quando o medicamento fazia efeito.

"Quando eu mostrei as fotos das caixas dos remédios ela fez uma cara..." Soraya estreitava os olhos miúdos e gesticulava. "Não, não! Primeiro ela me disse que no meu prontuário só tinha discriminado o uso do Alprazolam!"

"É sério isso?" A testa de Simone franziu inteira pela incredulidade que experimentava. Tinha um gosto amargo e a voz de sua esposa como pano de fundo.

"Si, ela me disse que os outros medicamentos normalmente não devem..." Soraya parou como se tentasse se lembrar da palavra. "Interagir, isso!" Bateu uma palma. "Eles não devem interagir entre si. Por isso eu sinto esse sono excessivo, esses pesadelos... Às vezes tão reais."

"Mas, como o seu médico lhe receitaria algo assim? Eu não entendo. Ele deve saber disso, estudou pra isso." A mais velha transparecia estar ainda mais confusa e contrariada em suas concepções. Para Simone era óbvio: o doutor Eduardo estava exagerando na medicação com Soraya. Sua experiência política e seus instintos lhe diziam que era o esperado. Que uma pessoa pode se corromper por algumas notas. Prestadores de serviço à autoridades eram alvos. Da mídia, de criminosos ou qualquer um que queira participar da intimidade de um nome como o dela. Com Eduardo não deve ter sido diferente. E como dizer isso à Soraya?

"É isso, a Dani pediu que eu não me precipitasse, mas também me disse que eu saberia o que fazer, entende?" Soraya passou as duas mãos pelos cabelos e rolou um pouco com o corpo em direção à Simone, escondendo o rosto em seu pescoço por alguns segundos.

"O que quer fazer?" Simone perguntou e ficou em silêncio. Seu carinho nas costas dela em movimentos circulares onde a pele estava exposta era tão gostoso que Soraya tentou prolongar aquela sensação por mais tempo antes de falar.

"Amor, eu queria tentar ficar alguns dias sem os remédios." As palavras saíram rápidas da boca de Soraya, que acabou afastando o rosto para que seus olhos se encontrassem com os de Simone.

"Soraya... Não... você sabe como funciona uma desintoxicação?" Havia preocupação na mente de Simone. Passar por uma tempestade como aquela era arriscado. A abstinência química precisava ser assistida de perto.

"Simone, eu sei que é assustador e eu preciso do seu apoio. Eu sinto... Sinto no meu coração que a junção desses remédios estão me debilitando e me dopando muito. E também..." Soraya baixou as vistas, enquanto passeava com os dedos pelo braço dobrado de Simone. "Acho mais prudente reduzir eles aos poucos. Lembro de quando eu comecei a tomar o Alprazolam... Lembro das instruções da Daniela. Ela sempre tirou todas as minhas dúvidas apesar de ser função do psiquiatra."

Labyrinth [Simone x Soraya]Onde histórias criam vida. Descubra agora