Presente

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Alicia acordou com uma tosse terrível, o ambiente estava repleto de mofo, passou as mãos pela roupa manchada de sangue, as tosses agora faziam sua garganta sangrar. Passou as mãos pelas paredes úmidas, em busca do interruptor, sua pele era arranhada pela parede mal feita, achou com certa dificuldade o que procurava. Logo o lugar antes escuro, estava bem iluminado. Deu um suspiro de alívio ao perceber que a porta do porão estava aberta, caminhou com certa dificuldade em direção a ela. Subiu as escadas segurando firme nos corrimões vermelhos.

Ao ver finalmente a luz na cozinha, deu um leve sorriso, mas não durou muito, a tosse voltou mais forte dessa vez, fazendo sua garganta sangrar mais. Tomou uma decisão imprudente ao pegar um pano de prato e limpar todo o sangue que agora pingava de sua roupa em direção ao chão. Estava na esperança de que ele a perdoasse que não a fizesse dormir de novo naquele lugar imundo. Mas os passos apressados em direção a cozinha acabaram com sua esperança.

De forma brusca, Alicia levantou da cama. Os cabelos grudados na testa úmida pelo suor, deu um suspiro longo e aflito. Sabia que a morte chegaria para si antes do previsto, a doença estava avançando. Agora até sonhava tossindo, mas sempre que os passos se aproximavam, ela acordava.

Abriu as cortinas na esperança de ver a luz do sol, sempre detestou acordar com essa luz em seu rosto, mas desde que descobriu que a morte estava perto, decidiu ver todos os dias a luz solar, afinal, qualquer dia poderia ser o último.

Infelizmente a única coisa que viu foram as árvores balançando com o vento e garoa. Não tinha notado o som da chuva? Estava muito distraída para notar. Levantou-se da ca noma devagar, com a ajuda da muleta conseguiu seguir em direção a cozinha. Fazia alguns meses que estava tão sozinha, todos a abandonaram quando ela mais precisava. Seus "amigos" disseram que estavam ocupados para a visitar, e a desejaram melhoras. Ela não se deu ao trabalho de avisar que estava morrendo. Seus parentes a tinham deixado pra trás a muito tempo, eles sempre trabalhavam muito para se lembrarem da filha mal sucedida.

Então era assim, estava por conta própria. Os médicos sem nenhuma dó, disseram que ela não tinha muito tempo, e era melhor passar seus últimos dias com a família. Descobrir que estava morrendo trouxe tanta raiva, tanto medo e pra completar muito desgosto. Não poderia dizer que estava bem com a ideia de não viver mais, mas tinha aceitado que era o que ia acontecer, ela querendo ou não.

Fez seu café, e antes de tomá-lo tomou seus comprimidos. Com o passar dos dias as doses haviam aumentado, e permaneciam mais fortes a cada dia.

Sempre sonhava com as paredes de mofo, e sempre que os passos chegavam perto, ela acordava. Lembrava claramente dos anos de abuso psicológico que passou com o desgraçado, um relacionamento falido que se tornou o motivo dos seus pesadelos constantes. As marcas em sua pele a lembravam de todas as vezes que apanhou, e a tosse que trazia o sangue em sua boca, a lembrava dos dias que foi trancada no porão.

Ela pensou que seria impossível se lembrar dele, principalmente depois de o matar com a faca da cozinha. Ela se lembrava do sangue escorrendo de sua garganta, ela o fez sangrar do mesmo jeito que ele havia feito a ela. Lembrava exatamente de como tudo aconteceu, ele a maltratou tanto, a deixava por dias naquele porão úmido e escuro. As luzes poucas vezes ficavam aparentes, os insetos passavam livremente ao seu lado. E como se tudo não pudesse piorar, as tosses causadas pelo mofo estavam consumindo sua garganta, o mofo poderia ter feito isso, mas a verdade era bem maior do que isso. O mofo não poderia lhe causar isso, não do jeito em que tudo estava acontecendo. Ele a envenenou, não tinha nenhum amor por ela, e planejava a deixar morrer naquele porão, planejava por fim de livrar de seu corpo com a desculpa de uma doença rara. Esconder o corpo dele no porão foi efetivo, principalmente por ele ser tão solitário. Ninguém nunca a visitava, então não tinha razão para perguntar do marido desaparecido.

Mas mesmo com a vingança, o veneno que ele colocou na comida estava a matando aos poucos, era esse o presente que ele deixou. Era possível escutar a risada dele a todo momento, no fim, ela nunca iria escapar dele.

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