A culpa que me corrói

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O sol lá fora era radiante, queimava a pele em apenas um toque, talvez quente e suave para muitos, mas para mim era a lembrança de uma infância repleta de mentiras e crimes violentos.

Onde nasci sempre foi calmo, um lugar pequeno, eu não tinha muitos amigos e nem muito o que fazer. Minha mãe sempre me fez companhia, e meu pai mesmo trabalhando praticamente todos os dias, sempre encontrava um momento para brincar comigo.

Foi em uma segunda-feira com um sol radiante que com meus 7 anos fui para a escolinha. Lá conheci minha melhor amiga, uma menina alegre, mas o mais estranho é não lembrar o nome dela. Meu psicólogo me disse que isso é tecnicamente normal, os meus traumas não me deixam lembrar seu nome e nem seu rosto.

Sempre fomos unidas, algo que lembro com precisão, ela sempre ia lá em casa e meus pais gostavam muito dela. Ela sempre dormia lá, almoçava lá, e bom, no geral nós fazíamos tudo juntas.

Foi tudo incrível, até os meus 12 anos. Naquele dia que o sol se fazia presente no céu, eu amava dias assim, tudo bem que na minha cidade praticamente todos os dias eram assim, mas aquele dia tinha um sol convidativo para sair de casa.

Quando cheguei na escola, ela não estava lá, eu achei estranho. Porém como não era algo impossível, mesmo que as faltas dela não ocorressem com frequência. Bom, foi tudo normal. Até que eu chegasse em casa e visse a mãe dela desesperada, chorava com desgosto, era um tristeza que não seria facilmente aparada.

Afinal, a filha dela havia desaparecido. Elas eram próximas, minha amiga não chegou a conhecer o pai, ele havia falecido antes de ela nascer. Mas lembro-me de ver que isso nunca foi algo que a deixava magoada, ela amava falar do pai.

Minha mãe tentava consolar a pobre mulher, mas sinceramente não sei o que aconteceu depois disso, tenho a mínima lembrança de ir para meu quarto dormir.

Com o passar dos dias minha mãe tentava me animar, tentava me dizer que ficaria tudo bem. Porém algo que estranhei era a falta de palavras como: "Vão encontrá-la.", "Vai dar tudo certo.". Isso nunca aconteceu, essas palavras nunca vieram de seus lábios.

Lembro-me de um dia chegar na cozinha e ver minha mãe cozinhando e conversando com meu pai, eles falavam algo que claramente não poderia ser ouvido por mim, simplesmente pararam de falar assim que me viram. Colocaram sorrisos em seus rostos, sorrisos de uma boneca sem vida e sem amor. Nunca senti medo dos meus pais, mas naquele momento eu percebi algo que nunca tinha visto, o quanto os olhos azuis e que sempre achei brilhantes em minha mãe, na verdade transmitiam o vazio da alma. O vazio que agora morava em meu coração, o vazio da dor de perder alguém.

Nos dias seguintes tentei ao máximo desviar qualquer tipo de conversa com eles, eu me escondia da verdade. Eu sabia a verdade, sempre soube, me negava a acreditar, me negava a ver e ouvir. Aquelas vozes em minha cabeça gritando pra fugir, me implorando pra correr.

Eles mataram ela, eu sei disso. Aquela carne na comida era ela, as lágrimas que derramei por um bife agora em minha barriga. Minha mãe viu que eu sabia, mas eu disse que não contaria.

Agora a culpa me corrói, mas não sei se um dia seria capaz de contar a verdade.


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